quinta-feira, janeiro 18, 2007

Aborto ilegal cria corrupção

Maria José Morgado, procuradora adjunta que tem a seu cargo o processo ‘Apito Dourado’, não tem dúvidas: “O aborto ilegal é um negócio sujo, que não é tributado.” Ou seja, “estes fenómenos potenciam a corrupção”.
A magistrada falava numa conferência, promovida pelo PS sob o título ‘Sim à despenalização’, no Parlamento onde se assumiu como defensora do ‘sim’. Morgado acrescentou que “há clínicas em Portugal que são ‘slot machines’, autênticas máquinas de fazer dinheiro”. Perante uma plateia de deputados socialistas, a magistrada tocou ainda noutro ponto. “A lei não é uma varinha mágica”, por isso, quando acabar a consulta popular, as causas sociais subsistem. O problema só pode ser resolvido de forma “gradual”. Morgado, que concorda com uma “discriminalização relativa” da lei proposta pelo PS, não esqueceu ainda a classe médica: “A opinião médica tem sido excessivamente restritiva, autista e até insensível na indicação de causas para a saúde psíquica.”Manuel Alegre, um dos últimos oradores do debate, sustentou que “ao defender-se a liberdade de decisão da mulher, nos prazos legalmente definidos, admite-se uma opção, mas não se impõe uma opinião. Negar essa liberdade é transformar a opinião contrária em doutrina ou imposição do Estado”, atirou contra os que advogam o ‘não’. E apelou aos abstencionistas, lembrando que em 1998 “houve desmotivação e confusão”. Em seu entender, “perdeu-se por míngua, não por excesso”, numa alusão à posição do PS na época.O líder da bancada, Alberto Martins, atacou os movimentos do ‘não’ por invocarem custos do aborto ao erário público. “É uma falta inaceitável de integridade ética”, concluiu.


Fonte:
2007-01-18
Correio da Manhã
Cristina Rita


Comentário:

Após uma análise verifiquei que não é permitida a contribuição de partidos para a campanha de grupos de cidadãos eleitores. (À excepção do caso em que o partido ou a coligação declara participar na campanha do referendo através de grupos de cidadãos eleitores). Isto é o que diz a lei do referendo! As associações não podem ser apoiadas directamente, mas já o podem ser através de partidos! Isto é fraude legal!

A lei actual não combate o aborto clandestino, mas fomenta-o. A despenalização até às dez semanas permitirá que os abortos clandestinos possam ser feitos em condições de higiene e segurança. E há dois argumentos importantes: sou a favor da maternidade consciente e sou a favor do direito das crianças a serem desejadas.”

Sou a favor da despenalização do aborto, porque me custa aceitar que uma mulher seja sujeita à humilhação de ser levada a um tribunal e a expor-se publicamente, porque num determinado momento da sua vida teve de tomar esta decisão. A IVG não pode ser encarada como um método contraceptivo, mas também não como um crime. Acredito que quem faz um aborto apenas o faz porque encontra nele a última solução.

A vida está demasiado difícil para se deixar que as crianças apareçam sem que depois possam ter uma vida decente. Um filho não pode ser um castigo por um cuidado que não se teve, embora no nosso país exista uma baixa taxa de natalidade e se fechem hospitais por falta de nascimentos.

Quando são chamados a decidir sobre casos de aborto clandestino, os tribunais portugueses têm por hábito ser mais duros para com parteiras, médicos e enfermeiros que levam a cabo a interrupção da gravidez do que com as mulheres que recorrem a essa via. O negócio em torno do aborto tende a ser a prática mais condenável pelos juízes.

Os médicos, enquanto cidadãos, vão igualmente responder na discrição das cabines de voto mas o debate está lançado no campo profissional.
O debate ganha foros de polémica pelas implicações que o resultado do referendo terá no Código Deontológico dos médicos. E, quando há polémica, é lógico e lícito que alguns manifestem em voz alta as suas próprias convicções.
Os médicos, enfermeiros, parteiras e todas as pessoas que por alguma razão estão “ligadas” ao aborto deviam votar “sim” porque essa é uma parte importante do combate ao aborto sujo e escondido, feito com exploração da ignorância de algumas mulheres; porque mesmo com a máxima informação sobre métodos anti-conceptivos, haverá sempre gravidezes indesejadas e indesejáveis que podem ser evitadas na fase em que um pequeno agrupamento de células vivas ainda não é um verdadeiro ser vivo; porque permite fazer sair da sombra um enorme número de interrupções, ainda que isso possa parecer um aumento de geral dos abortos; porque deve existir um limite para além do qual deve manter-se a proibição do recurso livre à interrupção da gravidez.
O debate sobre as relações entre o legal e o ético é antigo e nunca acabado. O Código Deontológico é uma forma particular de Direito auto-regulador da profissão e tem, evidentemente, de estar de acordo com o Direito geral. Decorre deste facto que a Ordem não poderá deixar de adaptar o seu Código Deontológico, enquanto corpo de regras que balizam os deveres próprios da profissão médica em Portugal.
Um código resultante de uma ética não é modificável por alterações legais que derivam da vontade da sociedade.
É sabido que o código deontológico dos médicos e dos enfermeiros considera crime a prática de aborto, e isto tem naturalmente um impacto nos profissionais e explica uma grande má vontade em aplicar a lei como ela devia ser aplicada.
Mesmo assim, todos eles deveriam acompanhar a mulher ou o casal na decisão que ela tomar se se vir confrontada com uma gravidez não desejada; de lhe dar espaço para decidir, independentemente da sua idade, etnia, estado civil, profissão, opinião do companheiro ou da família, consoante o seu contexto cultural, as suas convicções morais ou religiosas, a sua personalidade. Todos deveriam comprometer-se a providenciar um aconselhamento isento, claro e científico; a não esperar resposta a todas as perguntas. A aceitar a decisão da mulher como um direito próprio e um processo de crescimento interno; a continuar a prevenir a ocorrência de gravidezes não desejadas, informando todas as mulheres de todos os métodos contraceptivos de que podem dispor, incluindo a contracepção de emergência, tendo em conta também a necessidade de reforçar a motivação e a capacidade de autonomamente controlar o anticoncepcional escolhido.
Espero que os técnicos de saúde que continuam a viver envergonhados com o acompanhamento que não fazem às mulheres em crise de gravidez não desejada tenham a determinação suficiente para assegurarem um atendimento digno a todas as mulheres em situação de aborto legal ou com complicações do aborto clandestino, nos serviços de saúde e para continuarem a trabalhar para a mudança da Lei; espera-se também o respeito pela opinião de cada um e a valorização do seu trabalho, seja ele qual for.

1 comentário:

thazouk disse...

Como é do conhecimento de todos, a lei do aborto já não é a primeira vez que se fala dela e, já em 1998 fez correr muita tinta, tendo mais uma vez comprovado a incapacidade de decisão dos nossos ministros, pois foi necessário, tal como agora, a realização de um referendo.
É certo que nestes casos as opiniões de cada pessoa são bastante divergentes, mas isso estará relacionado com as crenças e valores de cada um, e neste caso, ninguém tem de condenar a opinião e posição alheia.
Não sei bem até que ponto um partido político pode intervir numa situação destas de referendo, mas consta-me que não será permitida legalmente a sua contribuição.
Pois bem, já aqui nos deparamos com uma ilegalidade. E talvez seja correcto pensar que esta participação irá influenciar muitos eleitores por motivos políticos, uma vez que esta votação deveria efectuar-se atendendo aos valores morais de cada um, e não por influências partidárias.
Concordo com a Drª Maria José Morgado quando esta afirma que estes fenómenos potenciam a corrupção, ainda para mais porque há neste "jogo" muitos interesses e muitos valores envolvidos, sobretudo os monetários.
Agora em relação a isto, pensemos um pouco: toda a gente sabe perfeitamente que se pode fazer um aborto clandestinamente, ainda com os problemas que isso acarreta, logo, ao criar uma lei que permita abortar livremente até às 10 semanas, a probabilidade de se fazerem abortos ilegais diminui drasticamente, e deixar-se-á de desviar dinheiro que em vez de ir para os cofres do Estado, vai antes para os bolsos de alguém que está a receber, e bem, para cometer tal crime.
Encontramos neste processo duas pessoas corruptas que são a mãe, que quer abortar, cujo a lei não lhe permite, e quem faz o aborto, que por dinheiro termina com uma vida, deixando, por vezes, mazelas na paciente.
Contudo, o caso é mais grave do que pensamos.
Se atentarmos bem nesta questão, quem é na maioria dos casos, o feitor deste crime? São sobretudo pessoas que trabalham nos próprios hospitais, são parteiras e às vezes enfermeiras, tal como em suas próprias casas e em clínicas improvisadas ali mesmo, fazem a vontade às mães que não o querem ser.
Para estas pessoas onde ficam as cláusulas que defenderam como profissionais da Saúde?
Voltemo-nos agora para o caso das mulheres que decidem abortar. Não está aqui em xeque se está certo ou errado procedimento. O que está em causa são os motivos que levam uma mulher a fazê-lo. Para isso veremos o caso na China, onde são inúmeros os casos de abandono dos próprios filhos à nascença, crianças deitadas no lixo, etc.
As pessoas por vezes não engravidam só porque não se preveniram adequadamente; por vezes os métodos contraceptivos falham e acaba por se gerar uma criança, ainda que indesejavelmente, então a solução será o aborto, e acredito que na maioria dos casos essa é a última das opções.
Se uma criança não é desejada, se não há condições de a criar, porque motivo ela ser dada à luz?
A decisão de criar uma lei para o aborto adivinha-se já desde há longo tempo um assunto delicado, e não irá deixar de o ser.
Em que estamos se uma parteira deve defender a natalidade mas na verdade cobra dinheiro para aliviar a consciência ou a vergonha de quem interrompe uma gravidez.
Então e agora onde fica a deontologia da ordem dos profissionais de Saúde? Será que até eles próprios não se sentem à vontade para cumprir a lei? Ou por outro lado têm eles uma personalidade tão vincada ou tão medíocre que por dinheiro abandonam por minutos as suas convicções, as mesmas que lhes dão o estatuto que ocupam perante a sociedade.
Focalizemo-nos num outro ponto, a política deste país e os seus representantes. É tão boa ou tão má que não consegue decidir sozinha o que fazer. É certo que temos um regime democrático e até concordo com o referendo, mas se defendemos esta democracia, então porque é que existe a penalização para quem interrompe uma gravidez?
Não terá a mulher o direito de decidir?
É óbvio que até mesmo com a despenalização ou quem sabe se um dia a legalização do aborto, duvido que se deixem de realizar clandestinamente. Vivemos num país maioritariamente de católicos, onde a moral e os bons costumes devem prevalecer acima de tudo, até da felicidade do Homem e, certamente irá existir sempre a vergonha de abortar, tendo como recurso a clandestinidade.
Mais um ponto que fica por esclarecer diz respeito justamente à situação dos médicos.
Se no código deontológico desta profissão vem descrito que a prática de aborto é considerado crime, como ficará a sua situação?
Se a lei prevista para o aborto contraria a ética da medicina é provável que os médicos e enfermeiros se neguem a efectivá-los, e assim quem irá prestar auxílio numa interrupção voluntária de gravidez?
Posto isto, talvez se torne necessário alterar a ética da medicina.
Regressando novamente à questão da mãe, terá obrigatoriamente de ser penalizada judicialmente uma mulher que faz um aborto?
Não basta já a sua consciência e talvez a dor de não ter um filho se os motivos pelos quais for o aborto sejam pela incapacidade de dar-lhe a qualidade de vida que a criança merece? Não é esse fardo já muito pesado de carregar?
Quanto à questão da mulher e da medicina, apenas tenho um parecer a dar.
Em qualquer uma das situações de legalidade ou ilegalidade, penalização ou não da mulher, é um ser humano e tem todo o direito de se sentir segura, apoiada, não fazendo sentido algum estar a descriminá-la socialmente.
No caso da política, tenho ainda a acrescentar que não é de todo eticamente correcto usar do poder ou, neste caso, reconhecimento político para influenciar eleitores a votar sim ou não. Mas não é isso que choca mais, pois é indiferente ser um partido, uma instituição, um cientista ou alguém no anonimato a dar a cara por uma campanha, o que mais choca será o facto de poder estar alguma estratégia para alcançar votos nas próximas eleições. É o facto disto poder ocorrer que parece ser um golpe demasiado baixo, pois se assim for, está-se a comprometer as verdadeiras ambições e posições de uma camada considerável da opinião pública.
Temos visto por todo o lado com campanhas de sensibilização a favor e contra o aborto. Sabemos que este é um procedimento normal mas, será que para este caso deveria existir este tipo de incentivos?
Afinal, não se trata de produtos consumíveis. Trata-se sim de uma vida e apela-se que para isto se torne uma opinião sensata.
Neste caso, acredito que há aqui uma forma, ainda que leve e que embora não seja compreendida como tal, de comprar ou vender uma opinião, a mesma que se queria sincera, pessoal, assente nos valores de sociedade ou em valores individuais.