quinta-feira, janeiro 18, 2007

Como perder um emprego em dez dias

Publicado no EXPRESSO, 11 de Dezembro de 2006 por Cátia Mateus

Como perder um emprego em dez dias

O Natal está à porta, mas no mercado de trabalho esta não é uma altura de milagres. É do senso comum que encontrar emprego não está fácil, mesmo para os mais qualificados. Durante a semana passada, na minha maratona de entrevistas, tive uma conversa engraçada (se bem que à margem do seu propósito inicial) com um dos empreendedores que contactei. Dizia-me ele que “o ‘canudo’ conta, mas a postura e a atitude são, cada vez mais, determinantes”. A sua empresa está em fase de implantação do mercado, e só não revelo o nome porque a publicação do artigo não será para já. Mas directos ao que interessa. O meu interlocutor presenteou-me com uma técnica de recrutamento que tem tanto de curiosa como de inovadora. Para recrutar o funcionário ideal, o meu entrevistado analisou um volume considerável de currículos e seleccionou para entrevista vários candidatos. Até aqui nada que cause espanto, reconheço. A 'cereja' é colocada no topo do bolo quando na altura do encontro presencial, o recrutador resume a entrevista a uma só questão: “o que faria se quisesse perder um emprego?” E justifica a estratégia: “uma boa equipa faz-se de pessoas qualificadas, mas também de gente que conhece os erros e as posturas que não são permissíveis no mundo do trabalho”. Perguntei ao meu entrevistado onde tinha ido 'desencantar' esta técnica de recrutamento. Respondeu-me que tinha aprendido a perder empregos, antes mesmo de saber como se tornar um bom funcionário. E desafiou-me a responder à questão: “como perder um emprego em dez dias?” (numa irónica brincadeira com o filme “How to loose a Guy in 10 days”, que é como quem diz “Como perder um homem em 10 dias”) Talvez conseguisse 'resolver o assunto' em bem menos que dez dias. Qualquer um dos assuntos, de resto. Mas decidi estruturar a minha resposta para um índice de 'uma asneira por dia', na esperança de vencer o desafio com sucesso. Cá vai: 1º dia: Começo por demonstrar insatisfação, desinteresse e má vontade em realizar as tarefas que me delegam;
2º dia: Instituo como prática diária a 'isenção de horário' (apenas na altura de entrar ao trabalho. A hora de saída é sagrada!). Isto pode contemplar também faltas injustificadas, sem qualquer aviso;
3º dia: Foco os meus objectivos laborais nos 'mínimos olímpicos', mesmo que isso implique não realizar as tarefas de que estou incumbida;
4º dia: Faço perceber que proactividade, dedicação, empenho e espírito de iniciativa são palavras que não constam no meu vocabulário (a par com conceitos como: trabalho em equipa, camaradagem, humildade, honestidade, aprendizagem constante, entre outros);
5º dia: Divido o meu horário laboral entre o tratamento de assuntos pessoais a partir do escritório e uma intensa actividade contestatária às chefias;
6º dia: Demonstro activamente que 'camisola' só visto a minha;
7º dia: Ignoro prazos e mostro não me incomodar com o amontoar de trabalho por realizar;
8º dia: Passo a dedicar parte do meu horário de trabalho (também) à criação de mau ambiente entre os colegas, fomentando intensamente a intriga e as conversas de corredor;
9º dia: Demonstro activamente a minha incapacidade em trabalhar em equipa, ouvir e aprender com os colegas;
10º dia: 'Estico a corda até ao limite' e coloco em causa a utilidade ou a sensatez de uma ordem do chefe;
Não sei se estaria contratada, mas o exercício é aconselhável.
Cátia Mateus, jornalista

Comentário:

Se calhar advém daqui a nossa dificuldade em encontrar notícias enquadráveis no tema da ética e deontologia: a falta de ética profissional, simplesmente não é notícia no nosso país! Se excluirmos o já maçador tema do aborto e da posição da ordem dos médicos em relação à questão, só encontramos histórias de faca e alguidar (e, não esqueçamos, algumas sobre corrupção em larga escala!). Este fenómeno não deixa, quanto a mim, de ser sintomático do estado da nação. É quase parte da cultura nacional este total desprezo pela matéria da ética e da deontologia, se não vejamos:

Quem é que se ergue indignado contra a incompetência, a arrogância e a tacanhez do funcionário invariavelmente mal disposto, que todos, com maior ou menor regularidade temos de enfrentar no nosso dia-a-dia? Na realidade poucos o fazem, a maioria limita-se a barafustar à saída da repartição e pouco mais.

Quem é que condena abertamente práticas como a utilização do telefone, do fax e dos computadores lá do serviço, para tratar de assuntos pessoais? Vá lá, confessem! Já todos o fizemos…

E agora falando de coisas mais sérias: como é que se pode falar de ética, numa sociedade onde imperam o “chico-espertismo”, a lei do menor esforço (excepto quanto é para arranjar argumentos para pedir um aumento de salário), o culto do estatuto que deriva do título de Dr. e Eng. (Sr. Arq. também fica muito bem!), a obsessão com a ascensão na carreira política, etc., em detrimento da valorização de coisas como o brio, o mérito profissional e, talvez, mais importante que tudo isto, a verdadeira dedicação e empenho, ou seja o “vestir a camisola”?

Perdoem-me o tom sarcástico, mas se é para falar de ética, olhemos em primeiro lugar para nós próprios, para os nossos familiares e amigos mais próximos e avaliemos com a objectividade e seriedade que o tema merece, em que medida somos fiéis “aos 10 mandamento” do profissionalismo?


Esforço-me por encontrar e mostrar satisfação, interesse e boa vontade em realizar as tarefas que me delegam;


‘Isenção de horário' (apenas na altura de saír ao trabalho. A hora de entrada é sagrada!);


Realizo sempre as tarefas de que estou incumbido (ou pelo menos desenvolvo todos os esforços ao meu alcance, nesse sentido!);


Proactividade, dedicação, empenho e espírito de iniciativa, camaradagem, humildade, honestidade e aprendizagem constante são os meus valores profissionais;


Tratamento de assuntos pessoais a partir do escritório, jamais. Não contesto as ordens do meu chefe só para provocar! Faço críticas construtivas, quando acho que devo;


Visto a camisola da organização em que trabalho;


Cumpro sempre os prazos;


Procuro não fomentar intrigas e conflitos entre os colegas e empenho-me em contribuir para um bom ambiente de trabalho.


A capacidade de trabalhar em equipa, ouvir e aprender com os colegas são competências básicas que me esforço por desenvolver;

10º
Não coloco em causa a utilidade ou a sensatez de uma ordem do chefe sem ter fortes motivos para isso. Caso considere que há críticas a fazer, coloco-as no momento e no lugar adequado, de forma não agressiva e coerente.

Pode parecer uma proposta pouco científica e rigorosa, mas não é afinal este o fundamento da ética profissional e de todos os valores que lhe estão associados, tais como a lealdade, o respeito pelos superiores, colegas e pelos utentes/ clientes, o empenho, entre outros, independentemente da profissão que se exerça?

Sónia Pinto nº 4697

1 comentário:

Orlando Roque disse...

"Notícia Inválida" por ausência de conteúdo ou ligação ético-profissional.