sexta-feira, janeiro 19, 2007

Mães contranatura

Gravidez contranatura

Uma Reportagem divulgada esta semana na revista do semanário “Sol” despertou-me a atenção relativamente a uma tendência que o homem sempre teve de seguir a ciência mesmo que esta caminhe sobre passos e por caminhos que o homem não consegue acompanhar nem deve seguir:

“O fim do ano trouxe um recorde polémico – uma espanhola de 67 anos, natural da Andaluzia, deu á luz dois gémeos, no hospital de Sant Pau, em Barcelona. Mais do que um feito da medicina, este caso é um sinal da tendência que se estende, lentamente, um pouco por todo o mundo. As mulheres estão a deixar a materninidade para mais tarde, em idades em que já poderiam ser avós.
Portugal, de acordo com os últimos dados do Instituto Nacional de Estatistica, de 2005, parece seguir no mesmo caminho. Naquele ano registaram-se oito nascimentos de mães com 50 anos ou mais. Fica por saber se, neste intervalo, alguma destas crianças é filha de uma mulher com mais de 60 anos. Por outro lado, é também dificil estabelecer se este número corresponde a oito gravidezes espontâneas – uma hipotese rara – ou conseguidas através de técnicas de Procriação Medicamente Assistida, como o recurso a óvulos de dadoras mais novas e a fertilização in vitro.
[...] De acordo com os especialistas, o velho argumento ‘primeiro a carreira, depois os filhos’ vai ganhando terreno.
A espanhola acabou por tornar-se a mãe mais velha do mundo, mas atrás dela já existe uma lista de 10 sexagenárias a conseguir a façanha. A comunidade cientifica é que não se deslumbrou com a noticia. Pelo contrário. A pergunta mais frequente entre médicos é ‘ para quê ser mãe aos 60?’.”

Esta tendência deslumbra não pelo facto de se verificar a possibilidade de criar um embrião numa mulher que quer ser mãe, mas pelo facto de haver quem a siga a partir de uma certa idade. Aliás a ciência não celebrou o acontecimento.
Os entraves de uma gravidez de uma mulher de uma certa idade adveem da limitação natural do seu periodo fértil. A mulher, sensivelmente após meio século de vida, passa por um fenómeno que é comum designar por menopausa. Este fenómeno vem encerrar um ciclo biológico, em que não mais ocorre a ovulação. A partir desse momento, a mulher passa por uma serie de transformações hormonais que a afectam biologica e psicologicamente.
A mulher, após esse periodo perde a capacidade de gerar um embrião por metodos naturais.
Os avanços da medicina possibilitaram ás mulheres, em idade de reprodução, dentro do ciclo natural, mas inférteis, o recurso a técnicas de reprodução medicamente assistidas.
Essas técnicas foram desde logo procuradas por mulheres que, já fora do ciclo natural, pretendiam engravidar.
Essas mulheres, que procuram a ajuda da medicina para contornar os designios da sua própria natureza, e não de um acaso infeliz como a infertilidade, são movidoas por um desejo egoista e imediato que mais tarde pode criar situações que não foram ponderadas.
Neste caso, estamos a falar de uma mãe que aos 13 anos da filha correspondem as suas 80 primaveras. Isto quase que toma proporções miraculosas não fosse já comum, no último século, a medicina ser protagonista de casos tão insólitos como este.
Que repercussões terá, então, este facto na vida de ambos, mãe e filho? Será saudavel? Qual o papel do médico?
Os médicos são indespensáveis nesse processo, lembremos-nos que sem o recurso a eles isso não seria possivel, mas tem de haver critérios, há que definir posições e ponderar o assunto, os médicos não se podem deixar levar pela indiferença nem pelo conformismo.
O problema há muito que deixou de ser técnico ( se não me engano, o primeiro bébé proveta já nasceu há umas décadas valentes), para ser debatido no dominio da Ética.
A questão não é como a medicina contorna a impossibilidade de engravidar mas a quem o faz e a quem implica.
Não se pode dizer que as mulheres, nas mesmas condições que esta espanhola, não sejam férteis porque elas já o foram, e nesse sentido, a medicina não pode subjugar-se a caprichos quando estão envolvidas outras vidas.
O papel do médico é defender esta premissa pois não existe legislação nesse sentido. Deontologicamente deve faze-lo pois mais do que qualquer teoria que defenda ou acuse tal decisão, o facto é que a vida está em cima da mesa, a vida da criança e a vida da mãe, e a vida não pode ser objecto de discussão, pelo menos para um médico. Estes, ou salvam-nas, ou “ajudam” a Natureza no seu processo de criá-las. Não se pode dispor da vida de alguém.
A medicina não deve ser encarada como um meio de substituir o que, do ponto de vista natural, é impossivel, mas como um meio de garantir que o que é natural ocorra.
Neste caso, o que se discute, nem são as limitações naturais, que são facilmente ultrapassadas, embora não seja razão para seguir em frente, mas sim os problemas socias que daí adveem.
A atitude egoista e irreponsavel de algumas mulheres de idade já considerável movidas por um desejo de iguais termos e na disposição, esclarecedora, de pagar um valor elevado para mudar para a condição de mãe, deve encontrar no médico que as acolhe uma resposta elucidativa daquela que é a sua função e daquilo que essas mulheres procuram, indeferentemente a propostas generosas e tentadoras que muitas vezes destronam valores.
O que estas desejam não se encontra ao alcance das suas possibilidades e apesar da técnica o permitir, acarreta implicações para a sua saúde.
A actividade médica não pode estar sujeita a estas situações de incerteza nem de risco, a não ser em casos que se justifique e este não é um deles.
A vida é um bem e um principio universal, que não pode associar-se a caprichos de alguém que em qualquer altura da sua existência decide contrariar os designios da natureza. O médico, deve ter essa distinção bem presente no exercicio da sua actividade, é ele o mediador nestes casos, o único agente a quem compete a decisão final.

1 comentário:

Carlos Afonso 4014 disse...

Este artigo fala de dois assuntos muito actuais da nossa sociedade:
- O facto da mulher ter uma carreira profissional;
- O aumento da infertilidade e por isso cada vez mais o recurso à procriação medicamente assistida.
Estes dois assuntos apesar de bastante distintos levam um ao outro.
A procriação medicamente assistida veio permitir à mulher um “alargamento”, se assim se pode dizer, do seu ciclo de fertilidade.
A aplicação destas tecnologias a determinadas situações tem levantado, em todo o mundo, uma variedade de interrogações filosóficas e éticas fundamentais sobre a natureza e dignidade da pessoa humana, sobre o tipo de homem que queremos plasmar para o futuro, sobre os limites a impor aos novos poderes que a ciência nos dá, sobre a unidade e estabilidade da família, assim como sobre a ordem cientifica e tecnológica da sociedade em que vivemos.
Estas questões, debatidas por cientistas, filósofos e juristas, não encontraram ainda, em muitos casos, soluções definitivas, mas têm merecido a atenção de instâncias internacionais como, por exemplo, comités do Conselho da Europa, congressos europeus patrocinados pela CEE, recomendações do Parlamento Europeu e da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa.
Muito sumariamente por Procriação Medicamente Assistida designam-se todas aquelas técnicas de reprodução humana em que para obter a geração de um filho é necessário recorrer à ajuda de terceiros e em que, de uma forma ou outra, o resultado pretendido (a concepção de uma criança) se obtêm fora do âmbito natural de uma relação sexual. As técnicas são muito variadas mas as distinções fundamentais são entre as que são realizadas intra ou extra corporeamente (inseminação artificial ou fertilização “in vitro”) e quanto ao uso de gâmetas (esperma ou óvulos) do próprio casal ou de terceiros (teremos respectivamente a fecundação homóloga ou heteróloga).
Têm sido grandes os desenvolvimentos da medicina nesta área. Se determinadas técnicas se têm revelado infrutíferas em determinadas circunstâncias concretas, outras acabam por ser exageradamente eficazes, proporcionando gravidezes múltiplas, o que é encarado do ponto de vista clínico e mesmo familiar, com alguma preocupação. No sentido de minorar estes inconvenientes, desenvolveu-se a possibilidade de conceber um embrião fora do organismo materno, através de técnicas que vieram a ser designadas por fecundação in vitro e transferência de embriões para o útero (FIVETE). Uma vez que estas técnicas apenas permitiam a resolução de alguns problemas, desenvolveram-se outras alargando-se o espectro de possibilidades de intervenção.
De entre vários factores, a aposta na carreira profissional, o aumento do custo de vida ou o querer usufruir mais tempo da liberdade que goza quem não tem encargos familiares são alguns dos motivos que tornam crescente a tendência para esticar a corda ao relógio biológico. O problema é que se entre os 18 e os 24 anos a mulher está no auge da fertilidade, aos 40 anos as probabilidades de engravidar ficam reduzidas e, a partir dos 50 deixam simplesmente de existir. Resta-lhes socorrer das técnicas cada vez mais modernas de Procriação Medicamente Assistida (PMA).
Quando o meu colega refere que “Essas mulheres, que procuram a ajuda da medicina para contornar os desígnios da sua própria natureza, e não de um acaso infeliz como a infertilidade, são movido as por um desejo egoísta e imediato que mais tarde pode criar situações que não foram ponderadas.
Neste caso, estamos a falar de uma mãe que aos 13 anos da filha correspondem as suas 80 primaveras.” Pergunto será ético da parte desta mãe ter tido estas crianças com esta idade, uma vez que está quase no limite da sua esperança média de vida? E depois o que serão destas crianças?
E se pensarmos como é que estas crianças se vão sentir na escola quando os seus pais têm idade de ser seus avós? Muito provavelmente estas crianças vão sentir-se discriminadas e diferentes dos outros meninos, uma vez que vivem uma situação quase única no mundo. Esta grande diferença de idades, no caso desta noticia 67 anos de idade, podem também vir e trazer problemas psicológicos a estas crianças pois vão sempre viver com medo dos pais morrerem, vão estar sempre com uma sensação de perda. Tal como o meu colega refere este tipo de situação fica muitas vezes a dever-se ao egoísmo da parte destes pais.
A questão da maternidade em idades muito avançadas tem levantado muita polémica. Nos Estados Unidos, por exemplo, a Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva defende que uma mulher com mais de 50 anos não vive o suficiente para criar os filhos. O mesmo está a ocorrer em Espanha. A lei do país vizinho não coloca obstáculos à idade das mulheres que fazem fecundação ‘in vitro. Existe apenas um código auto-regulador que proíbe que mulheres com mais de 50 anos se submetam ao tratamento. A decisão é da exclusiva responsabilidade do médico. Há riscos de saúde elevados tanto para as mães como para os bebes. E, no futuro, o provável é haver crianças cuja infância e adolescência será passada a empurrar cadeiras de rodas devido à idade avançada das mães.
Eu concordo com o meu colega quando ele refere que “A questão não é como a medicina contorna a impossibilidade de engravidar mas a quem o faz e a quem implica”. Pois no caso desta notícia esta gravidez vai implicar muitos debates éticos e sociais, se por um lado vemos que podem nascer crianças de mães em idades tão avançadas, por outro lado também pensamos onde é que estes avanços médicos e científicos nos vão levar?