Portugal contra eutanásia
Proposta para deixar morrer bebés com doenças ou deficiências incuráveis ou intratáveis é defendida na Holanda e em Inglaterra, mas rejeitada, sem margem para dúvidas, em Portugal, por médicos e pais. “Estamos sempre à espera de um milagre”, dizem.
A possibilidade de um milagre está sempre connosco e estamos à espera desse milagre. Não vamos assinar a sentença de morte do nosso filho.” As palavras vêm de longe, da Argentina. Saem da boca de José Anderson, pai de Brian, de cinco anos, que permanece em estado considerado vegetativo irreversível desde 2005, quando foi vítima de atropelamento. Apesar de desenganado pela medicina, José recusa-se a deixar morrer o filho. Os médicos que o assistem pedem à Justiça autorização para desligar as máquinas que mantêm viva a criança. Recusam a acusação de quererem a morte de Brian. Falam antes em deixá-lo morrer com dignidade, um tema que está a dar que falar do outro lado do Atlântico.
No Velho Continente, primeiro foram os holandeses, depois os belgas, agora chegou a vez dos britânicos. O assunto, ainda que apresentado de forma diferente, é o mesmo: eutanásia em bebés e crianças com doenças e deficiências incuráveis e intratáveis. Um tema que ganhou lugar na ordem do dia, dando origem ao actual debate.
Em Portugal falam mais alto as vozes que se levantam contra a possibilidade desta prática. Paula Costa, presidente da Raríssima – Associação de Deficiências Mentais e Raras, incomoda-se com o tema, mas não tem dúvidas. “Os pais não desistem nunca”, avança com a certeza conferida pela experiência de lidar com pais que, como ela, são obrigados a enfrentar o drama de ver sofrer os filhos com raras esperanças de melhoras. “Mas quem é que toma uma decisão dessas em nome dos filhos? Quem é o pai que diz aos médicos para porem fim a uma vida que foram eles que trouxeram ao mundo? Estamos a falar de um filho, que é o que temos de mais sagrado.”
Paula Costa fala em nome dos pais que integram a associação que dirige, “com casos dramáticos de crianças que são quase vegetais”, mas que “lutam até ao fim pela vida”.
EXIGIDA NOVA LEI
Foi o Real Colégio de Obstetras e Ginecologistas do Reino Unido que devolveu à actualidade, na Europa, o debate sobre a aplicação da forma activa de eutanásia nas crianças nascidas com incapacidades que as condenam a uma vida de dor.
Na Holanda, o primeiro país no Mundo a legalizar a eutanásia nos adultos, são os médicos que clamam por novas leis que lhes permitam pôr fim à vida de bebés que nascem com doenças para as quais a medicina não consegue dar resposta ou alívio. Decisão que, para o médico Daniel Serrão, professor universitário e membro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, não tem qualquer justificação. “É inaceitável. Mas a partir do momento em que se aprovou, na Holanda, a lei que permite a eutanásia em adultos, as crianças eram as vítimas que vinham a seguir.” De acordo com o especialista, criou-se a definição de ‘vida má’ que, adianta, vai permitir “eliminar quem tem a garantia dessa vida má”. No entanto, defende, quando se trata de crianças que nascem com malformações graves “não se justifica desacelerar o processo de vida, mas sim de acolhê-las com carinho”.
Contra os argumentos que justificam a eutanásia com o fim do sofrimento, responde com as práticas médicas disponíveis. “Há tratamentos para o sofrimento e para a dor, que são situações clínicas.”
O vice-presidente da Associação Portuguesa de Paralisia Cerebral, Abílio Cunha, tem a mesma opinião: “Conhecemos casos em que, quando nasceram, as crianças foram dadas como seres vegetativos e depois acabaram por se revelar uma surpresa. “A nossa batalha tem de ser para dar às pessoas mecanismos que lhes proporcionem qualidade de vida.”
EMOÇÃO EM ESPANHA
Muitos têm sido os apelos feitos, um pouco por todo o Mundo, por doentes que pedem a morte. A história comovente de um deles, o espanhol Ramón Sampedro, deu mesmo origem a um filme – ‘Mar Adentro’, interpretado pelo actor Javier Bardem – que narra a luta que levou a cabo, primeiro pela vida e depois pela morte.
Tetraplégico aos 26 anos, Sampedro lutou na Justiça espanhola pelo direito a morrer. Ao fim de um processo judicial que durou cinco anos, as autoridades negaram-lhe a eutanásia activa voluntária. No entanto, com o apoio de amigos, Ramón Sampedro planeou a sua morte, que chegou finalmente a 15 de Janeiro de 1998.
A autópsia apontou como causa a ingestão de cianeto e os últimos minutos de vida, que deixou gravados em vídeo, revelam que se suicidou com a ajuda de amigos, que colocaram os medicamentos ao alcance da sua boca.
Uma das amigas de Sampedro foi acusada de homicídio. Mas um movimento internacional de pessoas que enviaram cartas “confessando o mesmo crime” impediram que a Justiça conseguisse condená-la, tendo o processo sido arquivado.
BELGAS A SEGUIR
A Bélgica foi o segundo país a legalizar a eutanásia. Depois de dois dias de aceso debate, o Parlamento de Bruxelas aprovou a lei, com 86 votos a favor e 51 contra. Apesar da aprovação, a eutanásia só é permitida quando o doente que quer pôr fim à vida está consciente do pedido e o repete mais do que uma vez.
Carla Marina Mendes
Comentário:
Eutanásia é a prática pela qual se abrevia, sem dor ou sofrimento, a vida de um enfermo incurável. A eutanásia representa actualmente uma questão de ética, pois algumas pessoas acham errado matar uma pessoa, mesmo que essa pessoa esteja a passar por um terrível sofrimento e queira morrer por vontade própria.
Independentemente da forma de Eutanásia praticada, seja ela legalizada ou não, é considerada como um assunto controverso, existindo sempre prós e contras – teorias eventualmente mutáveis com o tempo e a evolução da sociedade, tendo sempre em conta o valor de uma Vida Humana.
Quem defende a Eutanásia, acredita que esta seja um caminho para evitar a dor e o sofrimento de pessoas em fase terminal ou sem qualidade de vida, um caminho consciente que reflecte uma escolha informada, o término de uma vida em que, quem morre não perde o poder de ser digno até ao fim.
Quando o Homem; pai, chefe, cidadão, profissional, músico… passa a ser prisioneiro do seu corpo, dependente na satisfação das necessidades mais básicas; o medo de ficar só, de ser um “fardo”, a revolta e a vontade de dizer “Não” ao novo estatuto, levam-no a pedir o direito a morrer com dignidade. Obviamente, o pedido deverá ser ponderado antes de operacionalizado, o que não significa a desvalorização que tantas vezes conduz esses homens e mulheres a lutarem pela sua dignidade anos e anos na procura do não prolongamento de um processo de deterioramento ou não evolução.
Mas em relação à Eutanásia, as opiniões divergem, desde os religiosos, éticos até os políticos e sociais. Do ponto de vista religioso a Eutanásia é tida como uma usurpação do direito à vida humana, devendo ser um exclusivo reservado ao “Criador”, ou seja, só Ele pode tirar a vida de alguém.
O nosso país está cheio de moralidades e questões éticas, nesta questão não faz sentido pensarmos que alguém em fase terminal, sem prespectivas de recuperação, ao estar consciente do que se passa à sua volta, e se a sua vontade é de terminar com tanto sofrimento, para quê adiar algo que não é possível adiar, mas sim piorar, porque com o passar do tempo, não será só o doente em si que será afectado, como também a sua família.
Para a família também é uma constante pressão, de por fim desejar que tudo acabe depressa, inconscientemente a família também acaba por desejar a sua morte, porque torna-se mais difícil vê-lo sofrer a cada dia que passa.
É uma problemática que afecta tanto a família como o doente no seu foro psicológico, no seu todo acho que afecta toda a sociedade, como o caso que foi publicado,ao lhe ser recusado a eutanásia activa voluntária, pedio a um grupo de amigos que o ajudassem a pôr termo à vida.
Não havia necessidade de chegar-mos a este estado de desespero, a eutanásia deve ser vista no sentido de poder dar um melhor fim, acabando com a dor física e psiquica mais rápidamente, evitando traumas maiores...
Fonte: www.correiodamanha.pt
Cândida Leitão nº 4118
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1 comentário:
Eutanásia significa literalmente "boa morte", do grego "eu" (bem) e "thanátos" (morte).
Eu concordo com a colega quando ela refere que “a eutanásia representa actualmente uma questão de ética, pois algumas pessoas acham errado matar uma pessoa, mesmo que essa pessoa esteja a passar por um terrível sofrimento e queira morrer por vontade própria”.
Quando pensamos neste assunto associamos logo aos princípios éticos que envolvem todo este assunto. Se por um lado não é ético tirar a vida a alguém, mesmo que seja essa a sua vontade, por outro lado, também pensamos se será ético deixar uma pessoa viver em sofrimento até aos fins dos seus dias, e não concretizar o desejo desse individuo em acabar com o seu sofrimento para que possa morrer com dignidade? Estas são questões muito difíceis de responder e para as quais, na minha opinião não existe resposta, pois cada caso é um caso.
A eutanásia, pode ser definida como um acto voluntário de uma pessoa que sofrendo de uma grave enfermidade e não vendo dignidade nem sentido para a sua vida, decide pedir a alguém que a mate. As situações mais referidas reportam-se a pacientes que estão totalmente dependentes nas suas funções mais elementares, sofrem de grandes dores ou têm a perspectiva uma morte muito dolorosa.
Este tipo de eutanásia designa-se também "eutanásia voluntária", para a distinguir de um outro tipo de eutanásia dita "involuntária". Neste caso a decisão sobre a morte de alguém é tomada pela família, um médico ou mesmo um tribunal. Tratam-se do caso de pessoas que estão internadas em hospitais ou estão imobilizadas em casa, e cuja vida é mantida apenas por processos artificiais e não revelam sinais de possuírem auto-consciência.
A evolução das sociedades humanas tem sido feita no sentido de preservar a vida humana, independentemente das condições do seu ser. Cada pessoa é única e tem a sua própria dignidade e como tal deve ser respeitada.
Os enormes progressos feitos desde há 50 anos nos campos da bioquímica, biofísica, imunologia, biologia molecular e outras ciências permitiram á medicina prolongar a a vida humana, nomeadamente dos enfermos nos hospitais. Muitas vezes este extensão da vida é feita em condições tais, que um doente em coma vegetativo é mantido vivo apenas com o recurso a máquinas que substituem o normal funcionamento das suas funções vitais. Os avanços das tecnologias utilizadas nos hospitais está a permitir prolongar estas situações de coma. Esta é uma das razões de fundo porque adquiriu tanta importância o debate sobre a eutanásia nas nossas sociedades.
Muitos doentes são mantidos na mais completa ignorância sobre o seu real estado de saúde pelos médicos. Deve ou não o médico comunicar a verdade aos doentes, qualquer que seja o diagnóstico?
O paciente tem sempre o direito de saber qual o seu estado de saúde e se quer ou não receber os tratamentos indicados, segundo a carta dos direitos e deveres, na qual está explicito no ponto 6 que: “O doente tem direito a ser informado sobre a sua situação de saúde. Esta informação deve ser prestada de forma clara, devendo ter sempre em conta a personalidade, o grau de instrução e as condições clínicas e psíquicas do doente.
Especificamente, a informação deve conter elementos relativos ao diagnóstico (tipo de doença), ao prognóstico (evolução da doença), tratamentos a efectuar, possíveis riscos e eventuais tratamentos alternativos.
O doente pode desejar não ser informado do seu estado de saúde, devendo indicar, caso o entenda, quem deve receber a informação em seu lugar”; no ponto 8 está explicito que:” (…) O doente pode, exceptuando alguns casos particulares, decidir, de forma livre e esclarecida, se aceita ou recusa um tratamento ou uma intervenção, bem como alterar a sua decisão.
Pretende-se, assim, assegurar e estimular o direito à autodeterminação, ou seja, a capacidade e a autonomia que os doentes têm de decidir sobre si próprios (…)”.
Um dos pontos que eu gostaria abordar visto a minha colega não ter abordado é a questão da eutanásia em crianças, uma vez que é isso que a noticia focaliza.
Quando se fala em eutanásia em crianças é muito difícil de avaliar o que é eticamente correcto uma vez que uma criança com meses e até alguns anos de vida não tem capacidade de avaliar se quer ou não morrer, pois esta criança não tem a capacidade de avaliar ou definir como é insuportável o seu sofrimento. Segundo as normas Holandesas, quem avalia o grau de sofrimento da criança, se assim se pode avaliar, é o médico; e aqueles que consentem e decidem se devem ou não deixar uma criança viver são os parentes. Não se trata por casualidade do sofrimento deles? Sabe-se, também, que nossa época fez quase de tudo «curável» a dor, os tratamentos paliativos e os analgésicos, promovidos, graças a Deus, em todo o mundo e invocados pelos médicos e pela saúde, conseguem manter e harmonizar a humanidade dos cuidados e a serenidade da morte. Prescindindo da dignidade que há que reconhecer à dor do enfermo e ao valor de solidariedade que suscita a presença ao sofrimento inocente, a dor e o sofrimento se curam com a violência da morte antecipada?
Há que pensar seriamente na possível aparição de um darwinismo social que intenta facilitar a eliminação dos seres humanos oprimidos por sofrimento e defeitos para «anestesiar» toda a sociedade. Foi precisamente Darwin que considerou um obstáculo à evolução humana a construção dos hospitais para os dementes, os inválidos e os enfermos, assim como a elaboração de leis para sustentar os indigentes porque estas atitudes da sociedade impediriam ou retardariam a eliminação dos sujeitos defeituosos. Não por nada alguns comentaristas, também leigos, nos jornais destes dias falavam de «eugenia mascarada» referindo-se a este último passo da lei holandesa sobre a eutanásia.
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