sexta-feira, janeiro 19, 2007

Juiz em causa própria

José Conde Rodrigues, secretário de Estado e adjunto da Justiça, poderá vir a receber uma indemnização decidida pelo Tribunal Administrativo de Lisboa com base num despacho do seu Ministério que aumentou em 35 por cento os ordenados dos juízes dos Tribunais Administrativos e Fiscais. Como que juiz em causa própria, Conde Rodrigues é um destes magistrados e desempenhou o cargo até ser nomeado para o Governo.



Fonte do Ministério da Justiça garante que “nem o secretário de Estado nem nenhum dirigente ou membro do Governo no Ministério da Justiça irá beneficiar dessa indemnização, porque não fazem parte do grupo de 58 juízes que colocaram a acção em Tribunal.

A decisão do Tribunal Administrativo de Lisboa foi favorável a este grupo, pelo que “muito em breve” segundo fonte do Governo serão indemnizados num total de 1,8 milhões de euros, cabendo a cada 29 500 euros.

Há, no entanto, para além deste grupo, mais 25 outros juízes, nos quais se integra o secretário de Estado, que não recorreram para tribunal. Segundo apurou o CM junto de fonte próxima do processo “também eles terão direito a indemnização, pois não seria compreensível que juízes com as mesmas funções fossem pagos de forma diferente”.

Assim, caso o secretário de Estado não queira receber o benefício criado pelo seu próprio Ministério, “em abstracto poderá reembolsar o Estado”.

Com base nas indemnizações a atribuir aos seus colegas e tendo estado Conde Rodrigues em funções de Janeiro de 2004 a Fevereiro de 2005 terá direito a uma verba de 12 300.

CONDE RECUSOU

O juiz dos Tribunais Administrativos e Fiscais, José Conde Rodrigues, foi chamado para o Ministério da Justiça, em Março de 2005. A 3 de Maio desse ano, o ministro Alberto Costa procedeu a um aumento de 35 por cento dos ordenados destes juízes. Pelo que o vencimento bruto passou de cerca de 2390 para 3228 euros, tendo em conta já a tabela de 2006.

Em comunicado, o Ministério esclareceu então que o secretário de Estado não seria abrangido pelo aumento. “Por já estar fora do sistema de pagamento automático, Conde Rodrigues foi contactado pelos serviços no dia 23 de Maio para ser processado o montante, tendo então transmitido a sua recusa no processamento do vencimento”, referiu o comunicado.

Os juízes nunca seriam, contudo, aumentados, isto porque o despacho de Alberto Costa não recebeu a assinatura do ministro das Finanças, Teixeira dos Santos. A Associação Sindical dos Juízes Portugueses recorreu então para o Tribunal, tendo a sentença de 20 de Dezembro, obrigado o Ministério da Justiça a pagar os atrasos entre Janeiro de 2004 e Julho de 2006, com juros.

PERFIL

José Manuel Vieira Conde Rodrigues nasceu a 10 de Setembro de 1964. Casado e com dois filhos é licenciado em Direito, pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa e concluiu parte escolar do Mestrado em Ciências Jurídicas, da mesma Faculdade, e do Mestrado em Teoria e Ciência Política na Universidade Católica Portuguesa. Antigo secretário de Estado da Cultura do XIV Governo Constitucional, entre Julho de 2001 a Março de 2002, foi assistente da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa.

PAGAMENTO POSSÍVEL EM FEVEREIRO

Os 83 juízes com direito a indemnização pelos aumentos de ordenados em atraso podem ver a sua situação regularizada a partir do próximo mês, segundo apurou o CM. O pagamento, dos perto de 1,8 milhões de euros, vai sair do orçamento da DGAJ – Direcção-Geral da Administração da Justiça. Conhecida a sentença, o Ministério da Justiça (MJ) “decidiu não interpor recurso da decisão”.

E realizou de imediato as diligências necessárias para os juízes receberem, não pelo índice 100 (2391 euros), mas pelo de 135 (3228 euros). Apesar do MJ não recorrer, “o Ministério das Finanças ainda o poderá fazer”, segundo explicou ao CM fonte judicial, assim como “o Ministério Público, em nome da defesa do interesse do Estado”.

DECISÕES 'NOTÍCIA'

Os Tribunais Administrativos de Castelo Branco e Leiria tomaram recentemente, no prazo de um mês, duas decisões polémicas. Em ambos os casos, as sentenças judiciais contrariaram decisões governamentais e foram alvo de recurso pelo Ministério da Educação (ME), visado das duas vezes. Por ordem cronológica, o CM noticiou no passado dia 21 de Dezembro que os Tribunais Administrativos de Castelo Branco e Leiria decidiram a favor de dois professores que exigiram o pagamento das aulas de substituição como horas de trabalho extraordinário. O ME entendia que o pagamento das aulas de substituição só deve ser extraordinário, quando assegurado por professor da disciplina que siga o plano de aulas.

No segundo caso, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria deu ao ME 15 dias para marcar novo exame a um aluno de Ansião, sob pena de multa, repetindo quatro anteriores decisões no mesmo sentido. Num outro caso que mereceu ampla cobertura mediática, municípios e associações de cidadãos interpuseram nestes Tribunais providências cautelares contra a decisão de encerrar os blocos de partos de Barcelos, Elvas e St.º Tirso. Apesar das diferentes decisões iniciais, os Tribunais deram razão aos recursos do Governo, com o fundamento de estar em causa o “interesse público”.

JUÍZES FORMADOS À PRESSA

A decisão do juiz Benjamim Barbosa do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, que reconheceu como legal o aumento de 35 por cento dos ordenados dos juízes dos Tribunais Administrativos e Fiscais, vem terminar com um problema que surgiu ao tempo dos ministros da Justiça, José Aguiar-Branco, e das Finanças, Bagão Félix. As Finanças sempre sustentaram que este aumento de ordenado provocava uma alteração ao sistema retributivo dos magistrados. No actual Governo, também o titular da pasta das Finanças, Teixeira dos Santos, não assinou o aumento pelo que a Associação Sindical dos Juízes Portugueses recorreu para Tribunal e ganhou a causa.

A formação dos juízes dos Tribunais Administrativos e Fiscais teve início aquando da passagem de Celeste Cardona pelo Ministério da Justiça. Um dos pressupostos para a candidatura ao cargo foi o exercício de, pelo menos, cinco anos de funções públicas, nomeadamente o exercício de advocacia.

A formação destes futuros magistrados decorreu de uma forma rápida, tendo em conta o tempo normal da formação de um magistrado. Obtiveram uma formação de três meses de formação teórica no Centro de Estudos Judiciários (CEJ) e de seis meses de estágio nos Tribunais. Durante esse período de nove meses receberam pelo índice 100.

Pelo contrário, o tempo normal de formação dos magistrados é de três anos, período durante o qual recebem igualmente pelo índice 100. No entanto, quando são colocados como juízes efectivos passam a receber pelo índice 135.

No caso dos juízes dos Tribunais Administrativos e Fiscais – e com a recente sentença – o processo inverteu-se: vão receber um vencimento de índice 135 com efeitos retroactivos a 2004, o que os coloca à frente dos colegas que tiveram uma formação de três anos. Na prática, não cumprem um terço do período normal de formação, tal como é exigido pelo Estatuto dos Magistrados Judiciais.

Com menor tempo de formação, os juízes reivindicam, no entanto, uma igualdade de vencimento por exercerem as mesmas funções.

HISTÓRIA

CRIADOS EM 2004

Os Tribunais Administrativos e Fiscais (TAF) nasceram em Janeiro de 2004. Antes, havia só o Supremo Tribunal Administrativo, um Tribunal Central Administrativo e Tribunais Administrativos de Círculo (Lisboa, Porto, Coimbra, Ponta Delgada e Funchal) e os Tribunais Fiscais nas capitais de distrito.

APROXIMAÇÃO

Com vista à aproximação da Justiça Administrativa à população, a reforma de Celeste Cardona criou 15 TAF, a que se juntam dois Tribunais Centrais Administrativos (Norte e Sul) e o Supremo Tribunal Administrativo.

COMPETÊNCIAS

A par da aproximação à população, os TAF viram alargadas as competências, que por vezes podem colidir com assuntos da esfera executiva (Governo), de que são exemplos os exames e o fecho das maternidades.

ALBERTO COSTA FAVORÁVEL A UM AUMENTO SUPERIOR

O Tribunal Administrativo deu razão, em Dezembro, aos juízes na sua reivindicação de que deveriam receber como juízes a exercerem funções em Tribunais de Círculo e não como estagiários. A mesma decisão tinha sido tomada pelo ministro da Justiça, Alberto Costa, em 2005, que em comunicado indicou que o aumento era insuficiente.

“Com este despacho, os juízes abrangidos passam do índice 100 para o 135, ainda aquém do índice por que vencem os juízes já anteriormente colocados nestas jurisdições, ou seja índice 220.” O aumento visou assim “atenuar as desigualdades de vencimentos entre juízes de várias jurisdições, que desempenham funções idênticas em igualdade de circunstâncias”, sustenta o comunicado de Junho de 2005.

A decisão de Alberto Costa foi sustentada em deliberações do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais de Setembro de 2004 e em Janeiro e Abril de 2005, mas contrariou o Estatuto dos Magistrados Judiciais, segundo o qual o aumento teria sido em Janeiro de 2006.

Notícia em:
http://www.correiomanha.pt/noticia.asp?id=227491&idselect=9&idCanal=9&p=200

Comentário:
O título da notícia pode ser enganador, já que quem se limitar a ler o cabeçalho fica com uma ideia errada, ou seja, que o secretário de estado e adjunto da justiça utilizou a sua posição para obter benefícios para si. No entanto, e mesmo já tendo tendo recusado o aumento (a que parece tem direito) devia ter feito o possível para se manter afastado deste processo para evitar todas as suspeitas que pudessem recair sobre ele. Dou como exemplo os casos de José Veiga, que se afastou voluntariamente das suas funções no S.L. e Benfica enquanto houvessem suspeitas de corrupção sobre ele, ou o caso de Mariano Barreto que se demitiu do cargo de treinador do Marítimo quando ouviu o seu nome associado ao caso Casa Pia. Não estou a dizer que o secretário de estado se deva demitir - prefiro acreditar que foi escolhido para um cargo importante por méritos próprios e não por questões meramente partidárias - mas acredito que havia maneira de evitar associar o seu nome a este caso. Afinal, por muito boas que sejam as suas intenções e, mesmo que não tenha interesse em receber a indemnização (e volto a repetir, o Tribunal dá razão aos juízes que iniciaram o processo e seria injusto que alguém que desempenhou as mesmas funções fosse discriminado), podem sempre existir suspeitas de favorecimento próprio (e pela minha experiência, os partidos políticos são excelentes a fazer isso).

1 comentário:

Orlando Roque disse...

"Notícia Inválida" por ausência de conteúdo ou ligação ético-profissional.