quinta-feira, janeiro 18, 2007

Médicos denunciam "deterioração" das urgências

Médicos denunciam "deterioração" das urgências
por Catarina Gomes, Jornal Publico Quarta, 17 de Janeiro de 2007

Responsáveis realçam a necessidade de ter viaturas de socorro nos locais mais afastados destes serviços hospitalares
"Em vários hospitais da zona sul existem equipas com um número de elementos inferior ao que está definido pela Ordem e, noutros, o serviço de urgência de especialidade [é garantido] por médicos não especialistas." Foram estas as principais denúncias deixadas ontem, em conferência de imprensa, por dirigentes do conselho regional sul da Ordem dos Médicos (OM), que falam de "deterioração dos serviços prestados" nas urgências. Alguns dos hospitais em causa desdramatizam a situação.
O vice-presidente do órgão dos médicos, João de Deus, afirma que um despacho do Governo, de Dezembro, abriu "as portas à discricionariedade na formação das escalas de urgência". A parte mais polémica do documento define que as escalas "devem respeitar, sempre que possível, os níveis assistenciais definidos pela OM para as diversas valências". "Na sua existência ou impossibilidade", a manutenção destes níveis cabe ao director clínico, refere o despacho.
O responsável defende que existe uma "violação sistemática das normas mínimas", exigidas pela OM, nomeadamente na constituição de equipas com um número mínimo de especialistas. "Quem corre risco é quem vai a estas urgências", avisa.João de Deus sublinha que apoiaram o encerramento de maternidades, por razões técnicas, mas não tem a mesma opinião em relação à reestruturação das urgências (prevê-se o fecho de 14 serviços).
Referindo-se ao caso de Odemira - em que um doente levou seis horas a chegar ao hospital e acabou por morrer - João de Deus afirma que este tipo de situação pode repetir-se, "se for feita a reestruturação sem acautelar a necessidade de ter viaturas de socorro prontas em tempo útil nos locais mais afastados dos pólos de urgência". "Não se pode fechar urgências por razões económicas e depois logo se vê", sublinhou Isabel Caixeiro, presidente do conselho regional do Sul da OM.
Foram dados três exemplos da "deterioração dos serviços". O primeiro é o Centro Hospitalar de Cascais, onde, por ordem do conselho de administração, "as equipas de urgência de ortopedia passaram a ser constituídas por um único elemento, impedindo assim qualquer actividade cirúrgica". Não foi possível obter junto do conselho de administração uma reacção a estas declarações.
Médicos estrangeiros
Outro exemplo foi o do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental (hospitais S. Francisco Xavier, Egas Moniz e Santa Cruz), onde as equipas de neurocirurgia passaram a contemplar apenas um especialista na urgência externa do S. Francisco Xavier e outro na urgência interna do Egas Moniz, "à revelia dos pareceres técnicos da Ordem".
O presidente do conselho de administração deste centro hospitalar, José Miguel Boquinhas, confirma a situação mas diz que só se verificou em alguns dias de Novembro e não pôs em causa o nível de cuidados: em vez de três especialistas estiveram dois.
O responsável diz que "não havia médicos em número de suficiente" porque muitos se recusaram, nessa altura, a fazer horas extraordinárias como protesto contra medidas do Governo. "Nada teve a ver com contenção de custos.
"A OM alertou para a existência de médicos estrangeiros a realizar partos e outras urgências obstetrícias sem a respectiva especialidade. O exemplo dado foi o do Hospital Amadora-Sintra, onde foram identificados sete profissionais nestas condições.
São médicos de países de fora da União Europeia, vindos do Brasil, de países africanos de expressão portuguesa ou de Leste, que, apesar de terem a especialidade nos países de origem, ainda não a obtiveram ou viram a sua equivalência recusada em Portugal, pela OM. Os responsáveis dizem haver mais casos e ter pedido uma "avaliação sistemática" em todos os hospitais.
O porta-voz do Hospital Amadora-Sintra, Paulo Barbosa, garantiu ontem à Lusa que a unidade cumpre as regras da OM e diz ver "com estranheza" a conferência de imprensa, porque em Dezembro pediu uma reunião na OM, onde salientou "a necessidade de acelerar o processo de reconhecimento da especialidade". Seis dos sete médicos na unidade aguardam que a OM dê seguimento aos trâmites necessários para fazerem o exame de especialidade. Um deles aguarda há "dois anos" a conclusão do processo.

Comentário:

Os médicos obedecem ao seu código de deontologia profissional, e obrigam-se a tratar dos pacientes que tenham sobre o seu encargo, mas sabemos de antemão o estado em que os hospitais do nosso país se encontram.
Um medico deve tratar um paciente, mas e se ele não tiver meios para tal? Se uma qualquer operação correr mal, a maior parte das vezes culpa-se o medico, mas como esta noticia mostra os médicos muitas vezes não tem ou meios ou pessoal suficiente, para tratar desse doente, mesmo assim tentam de acordo com o seu código deontológico faze-lo prestando os melhores cuidados possíveis (artigo 23º do código deontológico).
Mas muitas vezes são “obrigados” a fazer algo para o qual não estão especializados, logo estão a ir contra o seu código deontológico, por não terem capacidade/estudo para o fazer. Também só se deveria operar quando estivesse todo o pessoal necessário para uma intervenção, algo que não acontece, como o artigo diz.
Entra-se assim numa contradição do código de deontologia, pois o medico deve prestar tratamento de urgência a pessoas que se encontrem em perigo imediato, independentemente da sua função específica ou da sua formação especializada, quando também é dito que o medico não deve exceder as suas qualificações e competência.
A chamada de atenção dos médicos, as condições das urgências deve-se também ao facto dos médicos não quererem ter dúvidas por estar a contradizer o seu código (e assim estar à revelia dos pareceres técnicos da ordem, e também por o doente estar em primeiro lugar.
Como no caso de Odemira referenciado no artigo, os médicos e enfermeiros não podem ser culpados por tais factos, eles só trabalham com o “material” que lhes é dado, esta falta é que muitas vezes é confundida com falta de competência ou falta dequalidade de serviço, quando é so mesmos falta de meios.
Mesmo que este “apelo” não seja politicamente correcto, mostra uma preocupação crescente demonstrada tanto pelos médicos como enfermeiros, que face a realidade são “obrigados” a estar à revelia dos códigos deontológicos que ambos têm, para tratar qualquer pessoa que precise, mesmo quando os meios ou o pessoal não é suficiente ou o adequado.

Pedro Revez nº4642

2 comentários:

Sara Pereira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Sara Pereira disse...

Ao longo dos últimos anos as mais variadas questões relativas a médicos têm vindo a assumir particular relevância.Os médicos devem obedecer ao seu código de deontologia profissional. A Deontologia Médica embora seja constituída por um conjunto de regras de natureza ética deve também ter em conta o exercício da profissão, o ofício em si, o exercício das funções.
Segundo o art. 1º do código Deontológico: “A Deontologia Médica é o conjunto de regras de natureza ética que, com carácter de permanência e a necessária adequação histórica na sua formulação, o Médico deve observar e em que se deve inspirar no exercício da sua actividade profissional.” No âmbito do art. 2º O Código de ética contém as normas éticas que devem ser seguidas pelos médicos no exercício da profissão, independentemente da função ou cargo que ocupem.
O que a noticia põe em causa são a falta de recursos e de condições de trabalho nos hospitais, de modo a não poderem exercer a sua actividade do melhor modo. A notícia fala-nos nas mais diversas causas como a falta de ambulâncias, equipas com menor número de elementos dos que exigidos pela ordem dos Médicos, estrangeiros a realizar a actividade senão a sua especialidade entre outros.
Em relação a esta última de alguns médicos não estarem a exercer a sua especialidade e sim outras, no âmbito do Artigo 8.º do código Deontológico (Situação de Urgência): O Médico deve, em qualquer lugar ou circunstância, prestar tratamento de urgência a pessoas que se encontrem em perigo imediato, independentemente da sua função específica ou da sua formação especializada.” Por outro lado, temos que ter em conta a Responsabilidade profissional, segundo o art. 29º do mesmo código é vedado ao médico praticar actos profissionais danosos ao paciente, que possam ser caracterizados como imperícia, imprudência ou negligência.Ou seja, se o médico não é daquela especialidade é normal que vá cometer erros, o que será considerado como negligência médica.
Logo concordo com o comentário do meu colega quando diz:” Entra-se assim numa contradição do código de deontologia, pois o medico deve prestar tratamento de urgência a pessoas que se encontrem em perigo imediato, independentemente da sua função específica ou da sua formação especializada, quando também é dito que o medico não deve exceder as suas qualificações e competência.”
Os próprios artigos que referi acima acabam por se contradizer.
Em relação à falta de recursos (ambulâncias, materiais, mais médicos…) e condições de trabalho estão na causa de acontecimentos tristes, como é o caso de Odemira referido na notícia em que um homem 6h a chegar ao hospital e morre devido a isso. Relacionado a essas causas estão dispostos os seguintes artigos do código deontológico: Art. 3° - A fim de que possa exercer a Medicina com honra e dignidade, o médico deve ser boas condições de trabalho e ser remunerado de forma justa.
Art. 14° - O médico deve empenhar-se para melhorar as condições de saúde e os padrões dos serviços médicos e assumir sua parcela de responsabilidade em relação à saúde pública, à educação sanitária e à legislação referente à saúde.Visto que tal acontece segundo o art. 22º os médicos devem: “Apontar falhas nos regulamentos e normas das instituições em que trabalhe, quando as julgar indignas do exercício da profissão ou prejudiciais ao paciente, devendo dirigir-se, nesses casos, aos órgãos competentes e, obrigatoriamente, à Comissão de Ética e ao Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição.”
Art. 23 - Recusar-se a exercer sua profissão em instituição pública ou privada onde as condições de trabalho não sejam dignas ou possam prejudicar o paciente.
Art. 24 - Suspender suas actividades, individual ou colectivamente, quando a instituição pública ou privada para a qual trabalhe não oferecer condições mínimas para o exercício profissional ou não o remunerar condignamente, ressalvadas as situações de urgência e emergência, devendo comunicar imediatamente sua decisão ao Conselho Regional de Medicina.
Este é um dos muitos problemas graves que temos em Portugal e que está longe de estar resolvido. Mesmo com o cumprimento dos códigos deontológicos de ética, da Ordem dos advogados, não se vai resolver a questão porque o problema está na falta das condições que temos nos hospitais públicos e nos poucos recursos que temos para os melhorar.