sexta-feira, janeiro 19, 2007

EUTANÁSIA

“Senhor presidente, quero a eutanásia”

Fernanda Câncio

“Eu amo a vida, senhor presidente. A vida é a mulher que te ama, o vento nos cabelos, o sol no rosto, um passeio nocturno com um amigo. Vida é também a mulher que te deixa, um dia de chuva,o amigo que tetrai. Não nasci melancólico nem maníaco-depressivo morrer faz-me horror, mas aquilo que me resta já não é vida-é só um insensato encarniçamento em manter activas as funções biológicas. O meu corpo já não é meu ...”Estas palavras de Piergiorgio Welby, de 60 anos, a sofrer de distrofia muscular há décadas, endereçadas ao presidente italiano através de um vídeo difundido na TV, convenceram o Chefe do Estado a pedir um debate sobre a eutanásia.

COMENTÁRIO

A questão da Eutanásia designa-se também “boa morte”.
Este tipo de eutanásia pode ser defendida como um acto voluntário de uma pessoa que, sofrendo de uma grave enfermidade e não vendo dignidade nem sentido para a sua vida, decide pedir a alguém que a mate. As situações mais referidas reportam-se a pacientes que estão totalmente dependentes nas suas funções mais elementares, sofrendo de grandes dores ou têm a perspectiva de uma morte muito dolorosa.
A questão da eutanásia não é nova. Platão na “Républica já a aborda e parece concordar com a mesma, nomeadamente com a forma de eliminar pessoas com doenças incuráveis”. Nietzsche em várias obras tem idênticas posições. A aceitação da morte pelo doente é encarada como uma forma de evitar encargos inúteis para a sociedade e famílias. Este argumento económico continua a ser largamente referido para a tomada de medidas a favor da eutanásia.


Surgem Novos Valores Morais

A evolução das sociedades humanas tem sido feita no sentido de preservar a vida humana, independentemente das condições do seu ser. Cada pessoa é única e tem a sua própria dignidade e como tal deve ser respeitada. Neste sentido, a partir do século XIX começou a ser proibido diversas práticas antes aceites ou toleradas, como o aborto, eutanásia e a eugenia.


Avanços da Medicina

Os enormes progressos feitos desde há 50 anos nos campos da bioquímica, biofísica, imunologia, biologia molecular e outras ciências permitiram á medicina prolongar a vida humana, nomeadamente dos enfermos nos hospitais. Muitas vezes esta extensão da vida é feita em condicões tais, que um doente em coma vegetativo é mantido vivo apenas com o recurso a máquinas que substituem o normal funcionamento das suas funções vitais.
Esta é uma das razões de fundo porque adquiriu tanta importância o debate sobre a eutanásia nas nossas sociedades.
Um dos problemas de difícil resolução consiste na definição de um critério para a própria morte.


-Quando é que podemos dizer que alguém, está morto e são irrecuperáveis as suas funções básicas?

-As pessoas não deveriam ter o direito a cometer o suicídio?

-Onde é que a eutanásia é legal?

-Será que as pessoas devem ser forçadas a permanecerem vivas pelo avanço da medicina actual?

Quando se levantam questões acerca da vida e da morte temos sempre presente o lado ético, a postura de técnicos ligados a este assunto e o Código Deontológico destes profissionais de saúde.
Este refere no ponto 2 do artigo 47º que “constituem falta deontológica grave quer a prática do aborto quer a prática da eutanásia”. Porém, no ponto 4 do mesmo artigo, refere-se que não é (...) considerada Eutanásia, para efeitos do presente artigo, a abstenção de qualquer terapêutica não iniciada, quando tal resulte de opção livre e consciente do doente ou do seu representante legal.
Desde 1987, a Associação Médica Mundial, através da Declaração de Madrid, considera
a eutanásia como um procedimento eticamente inadequado.
A eutanásia levanta questões que envolvem os profissionais de saúde que enquanto se preparam para exercer uma profissão vão interiorizando regras (referentes ao Código Deontológico) que implica que este tenha o dever de atender um doente, obrigar-se por esse facto à prestação dos melhores cuidados ao seu alcance, agindo com correcção e delicadeza, no exclusivo intuito de promover ou restituir a Saúde, suavizar os sofrimentos e prolongar a vida,no pleno respeito pela dignidade do Ser Humano.
O médico, no exercício da sua profissão, é técnica e deontologicamente independente e responsável pelos seus actos, não podendo ser subordinado à orientação técnica e deontológica de estranhos à profissão médica no exercício das suas funções.
É relevante o antagonismo que existe entre a preparação deste técnico em toda a sua actuação profissional quando orientada para a prática da medicina tradicional, ou, por opção própria, para a prática da eutanásia.
A eutanásia é uma questão extremamente controversa, e tem divido, tanto a sociedade civil como a classe médica ao longo da história. Desde o inicio da medicina moderna que os médicos tiveram de se confrontar com pacientes, vitimas de males incuráveis, ou de situações limite de dor, pediam assistência para antecipar a sua própria morte.
O termo eutanásia tem um alcance amplo e pode ter diferentes interpretações.
Quando se aborda a eutanásia há que ter em conta a intencionalidade e o efeito da sua acção, que define o âmbito activo ou passivo da sua prática. Assim, a eutanásia é considerada activa quando se administra uma substância que provoca directamente a morte do doente, e passiva quando é efectuada através de uma omissão, isto é, quando um profissional de saúde deixa de prescrever um determinado medicamente que sabe resultar na morte do doente. Do ponto de vista da ética médica, considera-se que não existe diferença entre ambas.
O suicídio assistido é uma terceira forma de eutanásia e verifica-se quando um médico ou outra pessoa fornece ao doente a substância que lhe irá causar a morte, sem,no entanto participar directamente na acção.
Em Portugal falam mais alto as vozes que se levantam contra a possibilidade desta prática e questiona-se onde é que a eutanásia é legal ?
Já que o suicídio não é criminalizado, porque é que deve ser ilegal ajudar alguém a cometer suicídio ?

A eutanásia é o acto de, invocando compaixão, matar intencionalmente uma pessoa.

A eutanásia não se poderia tornar um meio para conter os custos dos sistemas de saúde?

Nos últimos anos tem sido crescente a preocupação com os custos dos sistemas de saúde. Em tal clima, a eutanásia pode aparecer como um meio de contenção de custos. A lei portuguesa pune apenas quem incitar outra pessoa a suicidar-se ou lhe prestar ajuda para esse fim.
E quanto aos técnicos que se dedicam a essa prática, reprovável quer a nível ético quer a nível deontológico, qual a sua punição ?

Terão eles, só por serem médicos, o direito de colocar termo à vida de alguém ?

A eutanásia não diz respeito ao “direito a morrer”, mas sim ao direito a matar.

Clotilde Teixeira
Nº. 4501

1 comentário:

Inês Romão disse...

A eutanásia é um dos assuntos mais discutidos no momento. É uma questão que pode afectar profundamente os princípios éticos, tanto de médicos como de enfermeiros ou como das pessoas que têm intenção de, por algum motivo muito grave, recorrer a esta forma de suicídio, mas que ao mesmo tempo, não se considera suicídio. Chama-se eutanásia, ao acto de matar uma pessoa intencionalmente, mesmo que seja por motivos muito fortes, como é o caso de doenças graves ou de pessoas que se encontrem, por exemplo, em estado vegetativo. Também se lhe pode chamar “morte tranquila”.
Muitas pessoas são a favor da utilização da eutanásia e muitas pessoas são contra, uma vez que acham que esta só é utilizada por pessoas menos éticas, pois consideram que é uma forma de negligência médica, ou que pode ser considerada homicídio. No entanto, esquecem-se de que a lei e a ética não implicam que seja obrigatoriamente necessário manter uma pessoa viva, quando não há mais nada a fazer para recuperar a sua saúde ou, quando é a própria pessoa a tomar a decisão de não continuar viva. Esquecem-se, porém, que segundo a própria lei, uma pessoa é autónoma, isto é, tem direito de decidir pela própria vida e quando isso não é possível, pode a sua família tomar essa decisão, por muito difícil que ela seja. É que, se formos pensar bem, obrigar uma pessoa a estar “agarrada” à vida, quando sabe que não há nada que a faça melhorar o estado em que se encontra, é algo desumano e bastante cruel.
Talvez o facto de ainda haverem muitas pessoas contra esta prática se deva a que este é um assunto pouco discutido no nosso país, as pessoas são muito silenciosas quanto a este assunto, talvez porque é um tema que nos choca a todos e que é bastante delicado.
Uma pessoa que recorrer à eutanásia é aquela que ao não ver sentido nem dignidade para a sua vida, pede a outra pessoa que ponha termo à sua vida, não sendo por isso considerado suicídio nem que seja, para a outra pessoa, considerado homicídio.
Esta é só uma maneira de morrer de uma forma um pouco mais feliz e com menos dor e acho que também não tem razão de ser, manter uma pessoa contra a sua própria vontade, ligada a uma vida que é completamente artificial.
Também há muitas pessoas que, ao serem contra a eutanásia, pensam que os médicos e os hospitais e clínicas só recorrem a este método para reter os custos desses hospitais e/ou clínicas e não por se preocuparem com a vida dos pacientes, o que na maioria das vezes é um pensamento muito errado, porque existem sempre as situações em que é a própria pessoa a decidir pela sua vida e como quer que seja o fim da sua vida e então recorrem a este método por uma questão de não querer sofrer mais, isto é, recorrem a este método por uma questão de estarem dependentes de outra pessoa para se movimentarem, ou por uma questão de dor ou por terem em vista uma morte bastante dolorosa.
Na minha opinião, a eutanásia devia ser considerada legal em todos os países. No entanto acho que não deviam recorrer a ela de ânimo leve, pelo que em qualquer caso em que se escolha recorrer a este método, a decisão deveria ser tomada pelo próprio doente ou, quando isso não for possível, isto é, quando uma pessoa não for auto-consciente, tomada pelo familiar mais próximo e, por fim, só quando nenhuma desta hipóteses for possível, a decisão seria tomada pelos médicos e/ou enfermeiros, ou até mesmo por um tribunal.
Afinal quem pode culpar os médicos de homicídio? Quando nem sempre esta é uma decisão deles e, mesmo que seja, só acontece por um motivo mesmo muito “especial”?
Muitas vezes, quando os doentes estão em estado tal que não conseguem tomar qualquer decisão por eles mesmos, acho que, apesar de sob muita pressão e sofrimento, acaba por ser um alívio para os familiares que se ponha termo a essa dor, tanto do paciente como da família. Nesses casos, por muito que também se sofra depois é melhor para quem está doente que se acabe com o sofrimento. É verdade que ninguém tem o direito de decidir sobre a vida de uma outra pessoa, mas muitas vezes quando não há capacidade para se decidir por si próprio é porque também não se tem muito sentido sobre a vida.
Na minha opinião, poderiam ser impostos limites a esta prática. No entanto, ela deveria estar prevista na lei em todos os países, de modo que se possa recorrer a ela quando se considera ser necessário, ou até mesmo, só em casos extremos, quando se prove que não há mais nada a fazer para salvar a vida de uma pessoa, pois muitas vezes as pessoas não estão cientes de querer prolongar a sua existência.
Mas nunca se deve culpar um médico por utilizar este método, apesar de muitas coisas acontecerem por negligência médica (esse sim é um assunto bastante comum e debatido no nosso país) não se pode considerar que este seja o caso. Talvez esta seja até a única circunstância em que se pode “tirar” a vida a alguém e não se ser culpado.
A vida é o bem mais importante que temos, pois sem ela não temos nada e é por isso mesmo que é necessário que a vivamos com alguma qualidade, isto é, com um mínimo de saúde, uma vez que quem não tem saúde também não consegue ter uma vida minimamente feliz, isto é, vida e saúde deviam estar intimamente ligadas, uma vez que são o que temos de melhor.
Apesar de achar que em muitos casos deveria recorrer-se à eutanásia, também acho que isso devia ter limites para não se abusar do poder de a usar. Contudo, e apesar da minha opinião, penso que o assunto da eutanásia continua a ser uma questão muito delicada.