terça-feira, janeiro 16, 2007

Quanto custa um advogado

Quanto custa um advogado

Há quem use o relógio do
computador para controlar o
tempo de trabalho e quem o
faça a olho. Sem tabelas, cada
advogado leva o que quer.

No dia das mentiras do ano de 1998, o casal Francisco e Isabel Cunha recebeu uma carta em que não queria acreditar: uma conta dos seus advogados, António Pinto Pereira e João Perry da Câmara, no valor de 25 mil euros. Era o terceiro relatório de contas – os dois anteriores já tinham sido pagos, no valor conjunto de 12.500 euros – referente ao processo judicial contra a Câmara Municipal de Lisboa pela morte do filho, Ruben Cunha, electrocutado num semáforo do Campo Grande. “Os advogados pediram 18.000 euros a mais”, diz à SÀBADO Francisco Cunha, que se recusou a pagar o valor exigido. O montante acordado entre Cunha e os advogados foi de cento e cinquenta euros por hora, o que “nem é elevado” para Pinto Pereira, que rejeita as acusações do anterior cliente, contra quem apresentou queixa por difamação e calúnia na segunda-feira, dia 8, enquanto aguarda que este lhe pague o devido.
Em 2001, o casal Cunha adquiriu os serviços de João Nabais, que reabriu o processo e conseguiu nova indemnização de 220.000 euros. Cobrou pelos serviços 5000 euros. Com o fim das tabelas de referência para honorários dos advogados em Março de 2006, os advogados podem cobrar quanto quiserem. O método de pagamento é acordado entre cliente e representante legal. A opção mais frequente é a de pagar por cada hora de trabalho. Mas mesmo assim, o cliente controla pouco, tudo se baseia na boa fé e deontologia profissional do advogado: é ele quem decide, por exemplo, se cobra uma hora por um simples telefonema para o tribunal ou se contabiliza ao minuto.
Os Processos mais baratos, pelas poucas horas que normalmente requerem, são os que tratam de injúrias, difamações e divórcios. Pelo contrário os grandes processos chegam a vários milhares de euros. O processo Casa Pia é um exemplo: Rodrigo Santiago, que cobra em média entre os 250 e os 300 euros por hora, trabalhou 402 horas na defesa do embaixador Jorge Ritto. Mas, garante, tudo foi claro: “não cobrei as deslocações e o computador determinou o tempo efectivo de trabalho na pasta do processo”. Santiago contabiliza as horas gastas com o cronómetro do computador e acorda tudo com o cliente no inicio: apresenta uma estimativa de custos e o cliente ou aceita ou procura outra pessoa. O seu método é semelhante ao de António Lamego, que já chegou a receber 700.000 euros por apenas um processo. Qual? O advogado, que para já cobra em média 200 euros por hora, não diz. Brevemente assinará contrato com a Sociedade de Advogados Lima Serra e Fernandes. “Quando trabalhamos em firmas, os preços para o cliente aumentam. Normalmente 50% do pagamento á para a empresa pelos custos de estrutura. No final do ano a receita é dividida pelos sócios”, afirma.
O preço exigido aumenta ou diminui consoante a complexidade do tema e até a capacidade financeira do cliente, explica Lamego que, no caso de ser bem sucedido, faz elevar os honorários determinados em função dos proveitos do cliente. “por vezes, na euforia da vitória, os clientes pagam mais do que o estabelecido. É uma espécie de gratificação”, diz António Marinho.


Revista SÁBADO, edição de 11 a 17 de Janeiro de 2007


Comentário:
Tudo aquilo que vai contra a moral é um crime contra a deontologia. O código deontológico é então uma extensão da Ética. Os profissionais devem agir, acima de tudo, com dignidade e lisura.
Este artigo vem criar polémica em relação ao método de trabalho dos advogados. Será que não devia existir uma tabela fixa de referência para honorários dos advogados? Em 2006 existiu uma tabela de honorários pela qual os advogados se regiam, eticamente estaria mais correcto e seria uma conduta mais valiosa e mais vantajosa para o cliente, evitando as divergências de preços e colocando em causa a própria profissão do advogado e o próprio advogado.
Para o cliente era mais fácil, sabiam desde logo qual o valor que iriam pagar sobre um determinado caso, e assim evitavam o desconforto ao receberem a conta no final, sem saberem o valor que tinham de pagar, esse valor devia ser acordado antes do advogado prestar o seu serviço, acordado por ambas as partes.
De acordo com o Código Deontológico dos Advogados, o exercício da advocacia exige conduta compatível com os preceitos deste Código, do Estatuto, do Regulamento Geral, dos Provimentos e com os demais princípios da moral individual, social e profissional.
Como deveres do advogado este tem o direito de preservar a sua conduta, a honra, a nobreza e a dignidade da profissão, é lamentável assistirmos a situações destas, os advogados levarem pelos mesmos casos o valor que querem.
Será ético, os advogados cobrarem os honorários que quiserem?
Apesar da advocacia ser uma profissão liberal em Portugal, não existe neste momento nenhuma tabela legal que determine os preços, nem mesmo as tabelas de honorários das comarcas aprovadas pelas delegações locais da Ordem dos advogados.
No Conselho Superior da Ordem dos Advogados têm sido apresentadas em média 400 queixas por ano relativas a discordâncias nas notas de honorários entre advogados e clientes, sendo 50% dos casos requeridos pelos próprios Tribunais que tratam destes processos. As opiniões jurídicas do Conselho Superior são confidenciais. Estatisticamente estas situações, tendem a ser favoráveis ao requerente, segundo a Ordem: no ano passado 60% foram contra os advogados. Esta entidade tem vindo a exercer uma forte fiscalização sobre as ordens profissionais por considerar que "a fixação de preços mínimos e máximos configuram uma forma séria e das mais graves de restrição da concorrência".

Quanto à liberalização do mercado, é uma realidade há muito praticada, ou seja, cada advogado combina com o cliente o preço, de acordo com a complexidade da acção, o valor da causa, o tempo que se prevê gastar. Actualmente os advogados vão regulando-se pelo preço do “vizinho”, por aquilo que se passa à sua volta.
Por outro lado, "há quem cobre 200 euros à hora, entre os advogados seniores dos grandes escritórios". A média de honorários cobrados entre os profissionais com nome no mercado é de 100 euros/hora.
Os valores dos honorários dos advogados para casos semelhantes, variam consoante a região, em Lisboa e Porto os preços são mais avultados, enquanto que na província, estes preços descem. Por exemplo: um divórcio por mútuo consentimento pode valer 50 euros. Custo que em Lisboa ou no Porto sobe consideravelmente. A média é de 350 euros "O critério regional tem também influência nos preços praticados, assim como as posses económicas dos clientes" .
Podemos assim verificar, segundo o que nos aponta as estatísticas que a qualidade da regulação das profissões liberais em Portugal e relativamente à advocacia é má.

2 comentários:

milene,nº4624 disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Filipa Zambujal nº4035 disse...

O Código Deontológico dos Advogados exige que o advogado seja uma figura neutra e imparcial, com um só objectivo que é, encontrar e conseguir a solução mais justa para o seu cliente. Estas são as características necessárias para o desempenho da sua profissão com sucesso e rigor. Mas, esta exigência vai para lá do lado profissional do advogado e muitas vezes obriga-o, em termos pessoais, a ser também uma figura, neutra, imparcial e rigorosa.
As suas obrigações deontológicas reforçam ainda mais o seu papel enquanto cidadão e membro da sociedade actual, assumindo assim, com uma dupla responsabilidade, os seus deveres de denúncia e cooperação com a justiça.
Segundo o artigo 1º, ponto 3 do código deontológico dos advogados “O advogado cumprirá pontual e escrupulosamente os deveres consignados neste Código e todos aqueles que a lei, usos, costumes e tradições lhe impõem para com os magistrados, os outros advogados, os clientes e quaisquer entidades públicas e privadas.”. O artigo 20º diz que “O advogado deve dar conta ao cliente de todos os dinheiros deste que tenha recebido, qualquer que seja a sua proveniência, e apresentar nota de honorários e despesas, quando solicitada.”.
Agora pergunto, se assim é, – ou se assim devia ser – porque é que há advogados a enganar os seus clientes e a faze-los cobrar mais do que o devido? Das duas uma: ou houve muitos advogados que faltaram a algumas aulas na faculdade ou então já se esqueceram daquilo que a sua profissão representa, que é uma ajuda quando precisamos de resolver certos dos nossos problemas, ou quando queremos fazer justiça. Mesmo assim penso que a melhor resposta não se encontra ali, e essa é muito simples: se isso acontece é porque em todas as profissões existem pessoas com uma completa falta de ética e a advocacia não foge à regra. O que faz um advogado cobrar tanto pelos seus serviços a uns pais que lhe pediram para que fizesse justiça à morte do seu filho? Esses pais não terão já sofrido o suficiente? E não terão já pago o suficiente?
Por um lado concordo com o facto dos honorários dos advogados serem liberais pois se o cliente não concorda com o preço pedido necessita, simplesmente, de procurar outro advogado com honorários mais acessíveis. Pode haver também um acordo entre cliente e advogado, tendo em conta a complexidade do caso. Por outro lado, por causa das situações descritas na notícia, não concordo. Quando se liberalizaram os honorários já seria de esperar que muitos se “aproveitassem” dessa liberdade e começassem a explorar os seus clientes. É claro que muito boa gente espera ética por parte dos profissionais. Da mesma maneira que os pais do Ruben não imaginavam que iriam receber uma carta do seu advogado a cobrar-lhes mais.
Será que algum cliente sabe realmente quanto tempo gastou o seu advogado a tratar do seu caso? É pouco provável que o saiba, até porque é muito difícil controla-lo. Um advogado pode olhar 15 minutos por dia para o caso e depois cobrar 1 ou mais horas. Acho que neste caso não se pode falar em politicamente incorrecto. Creio que ultrapassa isso, e podemos então falar em eticamente incorrecto. Esta situação faz-me lembrar um pouco os taxistas. Quando apanham algum turista, muitas vezes “esquecem-se” de ligar o taxímetro e, caso a “vitima” não se dê conta do sucedido, cobram aquilo que bem lhes apetece. Deveria de haver um controlo bem mais rigoroso nesses casos em que o tempo dispendido no processo conta muito para o que se vai pagar no fim.
Felizmente estes casos já começam a ser controlados pelos Tribunais e a fiscalização é cada vez mais apertada. Se houver uma discordância entre o advogado e o cliente em relação aos honorários abre-se um processo e, na maioria dos casos, é o cliente que ganha.
Concordo com a minha colega Manuela. Os honorários pré fixados tornariam tudo mais fácil e evitavam que os advogados se tentassem aproveitar dos clientes. Assim o cliente já estaria muito mais consciente daquilo que iria de pagar no futuro, estando também assim, mais preparado economicamente. Levar um caso a tribunal é uma coisa muito dispendiosa e pouca gente tem posses para o fazer acabando muitas vezes por ficar endividada. Num caso como o da morte do Ruben em que o assunto é delicado, o facto do advogado se aproveitar para pedir mais dinheiro à família, para além de mostrar falta de ética, mostra também falta de consideração. No fim, não basta tudo por o que se passa durante o processo como ainda se pode correr o risco de advogados pouco éticos quererem ficar com parte daquilo por que lutámos tanto tempo.
O caso da “Casa Pia” também é um bom exemplo. É sabido que, como é um caso muito complexo ocupa muito tempo aos advogados, para não falar dos riscos que estes correm por tudo o que envolve este processo. Mas, ainda assim, há muitos a aproveitarem-se do mediatismo do caso para cobrar, quem sabe, o dobro, ou mais, daquilo que cobrariam normalmente.
Com isto tudo só posso concluir que pouco importa aquilo que aprenderam enquanto estudavam advocacia. E que pouco interessa a existência de um código deontológico pelo qual, seria suposto, seguirem-se e exercer a sua profissão. Mais uma vez o dinheiro e a ganância falam mais alto e pouco importa quem se tem que enganar. Por isso o melhor que temos a fazer é estar de olho bem aberto e de ter cuidado. É claro que não digo que se deve desconfiar de tudo e de todos mas uma coisa é certa, como se diz na gíria popular, “Um olho no burro e outro no cigano” nunca faz mal a ninguém. E mais uma vez cito um ditado que diz “Mais vale prevenir que remediar”, que traduzindo, neste caso, quer dizer que mais vale ter tudo bem acordado e controlado do que, se correr o risco de nos baterem à porta com uma conta que não poderemos pagar.

Filipa Zambujal
nº4035