quarta-feira, janeiro 17, 2007

Preços do aborto

As parteiras de vão de escada estão em extinção. Hoje, o aborto clandestino faz-se em habitações equipadas para o efeito. O preço vai dos 400 aos 750 euros. Nas clínicas que actuam dentro da lei, a interrupção da gravidez fica, regra geral, mais cara. Pode atingir os 1000 euros. Uma prática que está a diminuir com a chegada do Cytotec. Compreende-se. É doloroso, mas custa bem menos: 25 euros.
O olhar ainda turva quando recorda as palavras da enfermeira que descobriu o segredo não revelado: “É mais fácil fazê-los do que matá-los.” Deitada numa cama de hospital a esvair-se em sangue, Elsa (nome fictício) pede ao tempo que ande mais depressa e a leve daquele calvário. Nunca se sentira tão humilhada, tão só, tão desprezada. Decidiu interromper a gravidez, às 12 semanas, e não está arrependida, mas jamais imaginara um aborto tão complicado. “Recorri à Women on Waves. O processo tradicional é muito caro e coloca sempre a questão do local. Fui ao ‘site’ da organização, preenchi um questionário e passada uma semana já tinha os medicamentos.” Pagou 70 euros pelos comprimidos: o Mifepristone (conhecido RU-486 ou Mifeprex) e o Misoprostol (mais conhecido por Cytotec). O primeiro pára a gravidez, o segundo expulsa o feto do corpo. Está indicado para problemas de estômago, mas tem efeitos abortivos quando tomado em determinadas doses.O método revela-se eficaz, na maioria dos casos, mas provoca dores e geralmente dá hemorragia, obrigando a uma ida à urgência para estancar o sangue, para limpar. Um sacrifício que Elsa, 24 anos, aceitou e um risco que voltaria a correr. “Não era viável, como hoje não seria, levar a gravidez até ao fim. Estou a terminar o curso, o meu namorado está a estudar no estrangeiro.” Elsa deixou a enfermaria no dia seguinte ao internamento e jurou nunca mais pôr os pés naquele hospital. Abatida e com dores, passou um mês de cama aos cuidados da mãe. Regressou à vida normal em finais de Outubro passado. “Por questões de saúde não posso tomar a pílula, mas protegemo-nos sempre. Alguma coisa falhou com aquele preservativo.”Maria (nome fictício) não usa preservativo nas suas relações sexuais nem qualquer outro tipo de anticoncepcional. Vive num bairro pobre do grande Porto, muito pobre, com problemas de toxicodependência, álcool, violência, subnutrição. Voltou a engravidar. Voltou a abortar. Também recorreu ao Cytotec e também foi parar ao hospital. Não se sabe quanto tempo de gestação tinha o feto, mas é seguro que não estava no início da gravidez. Fala-se em três meses, talvez mais. Maria esteve internada oito dias. Passou mal, chegou a temer-se o pior.No passado recente, o ‘problema’ tinha sido resolvido no interior do bairro, em sua casa ou na do lado. Eram as mãe que faziam o aborto às filhas ou recorria-se a uma vizinha mais experiente. Com o aparecimento do Cytotec, as parteiras de vão de escada entraram em vias de extinção. Toma-se os comprimidos e acabou. Mesmo que os efeitos se revelem bem dolorosos e não isentos de risco. Elsa adquiriu-o via Women on Waves, mas, diz quem sabe, há sempre um médico que passa a receita ou uma farmácia que o vende sem ela. O preço varia entre os 25 e os 30 euros, caixa de 60 comprimidos. “Eu paguei 70 euros porque na Women on Waves quem pode pagar paga dois abortos. O seu e o de quem não tem possibilidades.”Maria não conhecia o medicamento e muito menos tinha dinheiro para o comprar. Foi Celina (no-me fictício) quem o arranjou. É ela que os distribui, gratuitamente, a quem está grávida lá no bairro e não quer ter filhos. Às vezes até os arranja para gente de bairros vizinhos. “Tenho uma pessoa amiga que me traz do hospital. Isto tem de ser tudo à socapa, que aqui não há dinheiro para comprar essas coisas e planeamento familiar não existe”, conta. São quase sempre raparigas novas, como a Maria, que recorrem a Celina. “As mais velhas deixam-nos vir e depois andam por ai, ao abandono, à fome.”CONVERSA SIMPLESA 350 quilómetros de distância, no segundo esquerdo de um prédio antigo de Cascais, a azáfama é grande. Há caixotes e sacos espalhados por divisões exíguas, envoltos numa nuvem de pó que teima em não assentar. “Ainda será aqui”, pergunta Ana (nome fictício), ao companheiro, enquanto este observa o movimento. A maca ginecológica que ocupa boa parte da divisão mais pequena do apartamento ajuda a esclarecer a dúvida. “Bom dia, o que desejam”, questiona uma senhora, muito antipática, a despachar. “Estou grávida. Há uns anos foi aqui que me resolveram o problema”, informa Ana. “Andamos em mudanças, mas vou chamar a enfermeira...” De cigarro entre os dedos, Matilde (nome fictício) leva o casal para o que resta da sala de atendimento. Ana começa a contar-lhe a história da vida, mas Matilde está pouco interessada em pormenores. Ao cabo de 30 segundos de conversa, nem isso, dispara: “Traz ecografia”? Ana diz que não, mas tem o cuidado de esclarecer que vai na segunda falha. “Minha filha, sem ecografia nada feito.”O fumo do cigarro tapa-lhe as feições. Ana olha para o companheiro, que permanece de pé e não merece sequer um olhar de Matilde. “Vamos fazer o seguinte. Ao fim da tarde, lá para as seis, seis e meia, vai à clínica [...] e pergunta por mim. Mas só pergunta por mim. Fazemos a ecografia e resolvemos o problema hoje mesmo”, diz a parteira.Ana quer saber quanto custa. “Mil e tal euros, já com a ecografia incluída. Tudo vai depender da ecografia, mas nunca menos de mil e tal euros.”A clínica, onde se efectuam consultas de várias especialidades, parece ter todas as condições para realizar um trabalho seguro. Bem mais agradável do que aquele segundo esquerdo, onde se realizaram abortos durante anos. Este edifício é novo e o interior tem um ar limpo e arejado.
2007-01-13 correio da manhã.

Comentário:

Segundo o Código Deontológico da Ordem dos Médicos, Deontologia Médica é o conjunto de regras de natureza ética que, com carácter de permanência e a necessária adequação histórica na sua formulação, o Médico deve observar e em que se deve inspirar no exercício da sua actividade profissional. É de lamentar saber que no nosso país actuam ainda desta maneira no que diz respeito à interrupção voluntária da gravidez, quer no uso de medicamentos como também no apelo ás parteiras particulares. Será seguro recorrer ao medicamentos designados para interromper a gravidez, m também outros para problemas de estômago e que tomados em grande quantidade têm o mesmo efeito? A julgar pelos efeitos secundários, como também as hemorragias e dores que levam a internamentos nos hospitais, penso que não. Isto já sem mencionar a humilhação que deve ser para a mulher. E será eticamente correcto vender esses medicamentos em “sites” na Internet, ou mesmo como é referido acima, conseguir esses medicamentos em farmácias sem uma receita médica? Não é eticamente correcta essa atitude pois segundo o Código Deontológico dos Farmacêuticos refere que o farmacêutico é um agente de saúde cumprindo-lhe executar todas as tarefas que ao medicamento concernem, todas as que respeitem às análises clínicas ou análises de outra natureza de idêntico modo susceptíveis de contribuir para a salvaguarda da saúde pública e todas as acções de educação dirigidas à comunidade no âmbito da promoção da saúde e como tal muitas vezes o que acontece é pessoas tomarem um medicamento sem saber o seu uso correcto, os efeitos secundários, ou até mesmo o modem de se administrar. Para conseguir esse tipo de medicamento deviam ter uma receita de um médico como também aconselhamento de como usar esse medicamento e os efeitos que iria trazer. Em relação ás parteiras de varanda estarem a extinguir-se não vejo essa situação como uma coisa má, pois muitas vezes o aborto era feito em condições desumanas, levando muitas vezes a acidentes irreversíveis nas pessoas que os estavam a realizar. Penso que o aborto deve ser realizado com todas as condições necessárias, tal como é realizado em muitos outros países, e como tal, não ser mais caro por isso. Não é eticamente correcto os preços estarem a aumentar de forma abismal por estarem a ser realizados com melhores condições pois as pessoas que não tem capacidades suficientes nunca conseguiram usufruir dessas melhores condições e continuaram a procurar o aborto nessas parteiras. Assim, será que a interrupção da gravidez deve ser legal? Será que se for legal que as pessoas não iriam fazer disso um método contraceptivo? Será que engravidar não iria perder a sua verdadeira importância pois poderia ser interrompida sempre que pretendido? Será ético interromper a gravidez sem querer saber da própria vida recorrendo a métodos muitas vezes desumanos, a parteiras sem condições, a medicamentos ou pessoas que não as indicadas? Penso que não pois em muitos casos as pessoas não cumprem correctamente as tarefas dos cargos que ocupam, pois médicos passam receitas sem verem sequer as pessoas ou o problema que as leva lá, muitas vezes conseguem adquirir-se o medicamento nas farmácias sem receitas, e também muitas vezes, devido a falta de dinheiro ou por vezes até por humilhação, as pessoas recorrem a pessoas que não têm qualificações suficientes para realizarem esse tipo de tarefas, provocando por vezes danos irreversíveis.





Tiago Palma, Nº 4356, Gestão de Empresas, Diurno

1 comentário:

Helena Patinho - 4693 disse...

Há uns anos atrás deparavano-nos frequentemente com a morte de mulheres que recorriam a parteiras para fazerem abortos. Mas visto que a maior parte desses abortos eram feitos por pessoas sem qualificações para o fazerem e sem o minimo de condições. Hoje o aborto clandestino já se pratica em habitações equipadas para o efeito com um preço que oscila entre os 400 a 700 euros, mas se as mulheres recorrerem a clinica privada e que actuam dentro da lei tal valor ja pode atinguir os 1000 euros. Para pessoas (mulheres) com baixo nível de rendimento, tem que recorrer a outros métodos – o Cytotec. Este é um método relativamente recente mas também doloroso mas é mas barato–25euros.
Na notícia em causa são dados três depoimentos de três mulheres distintas e cada uma com a sua situação, mas que as três recorrem ao aborto.
A primeira é a Elsa, decidiu interromper a gravidez às 12semanas pois ela estava a terminar o curso superior e o namorado está a estudar no estrangeiro, logo não havia condições para criar a criança. Esta após a toma dos comprimidos Mifeprex que pára a gravidez e Cytotec que expulsa o feto do corpo, teve dolorosas consequências, teve que ser hospitalizada por dois dias e depois levo um mês de cama com dores. Elsa teve acesso aos comprimidos via internt, foi ao site, preencheu um questionário e passado uma semana tinha os medicamentos, pagado por estes apenas 70 euros, valor este muito menor do que aquele que é cobrado nos métodos tradicionais (até 1000 euros). Tal medicamento é vendido em qualquer farmacia mas com indicaçõies para problemas de estomago mas que por sua vez tem efeitos abortivos e que tem como consequencia dores e hemorragias. Por detrás destes sites da internet tem que tar médicos que indiquem a dose de medicamentos a ingerir e farmácias que vendem tais medicamento sem receita médica. Então tanto os médicos como os farmaceuticos estão a violar os seus códigos deontológicos, logo terão de ser punidos.
O segundo testemunho é da Maria uma mulher pobre. Não era a primeira vez que esta engravidava e abortava. Tal situação devia-se que Maria e o companheiro não usavam preservativos por falta de dinheiro. Das outras vezes os abortos eram feitos pelas parteiras de escada, mas desta vez foi uma vizinha, Celina que lhe arranjou os comprimidos, pois Maria não tinha dinheiro para os adequirir. Por sua vez Celina tem uma pessoa que lhe os dá, e que esta tira-os à sucapa do hospital onde trabalha. Falta saber que posto è que essa pessoa tem dentro do hospital. Pois pode ser médica enfermeira, funcionária da limpeza ou noutro departamento qualquer dentro do hospital. Há partida é uma falta de ética uma pessoa “roubar” comprimidos do hospital e sem saber por quem é que vão ser tomados. Pois estas atitudes não se tem porque um dia pode acontecer alguma tragédia.
A terceira situação passa-se em Cascais. Ana recorre novamente, a um sitio onde ela já tinha feito um aborto à alguns anos. Então Matilde encaminhou Ana para uma clinica particular, onde se efectuavam consultas das mais diversas áreas e Matilde por conta própria fazia abortos. Nesta situação abunda a falta de ética a todos os níveis, ou seja, Matilde ao praticar iligalmente já tá a provar que é uma pessoa sem ética. Posteriormente, existe também o facto de ela ao praticar o aborto clandestinamente numa clinica privada está a contribuir para a fraude fiscal, já que o aborto é praticado em tal clinica leva a que a retribuição paga por cada mulher que faz lá o aborto, devia entrar na contabilidade de tal clinica.
Após a análise a este conjunto de situações concluo que a não solução deste problema por parte do governo leva a que se continue a arrastar todos estes problemas.
O interrompimento duma gravidez à partida é logo traumatizante tanto a nivel fisico como psicologico para a mulher. Para uma mulher decidir que vai fazer um aborto, tem que haver motivos de força maior por detrás. A existência de mais filhos pequenos, a falta de possibilidades economicas, mulheres muito jovens…
Na minha opinião uma das soluções viáveis a toda esta poblemática do aborto, era que no referendo no dia 11 de Fevereiro ganhasse o sim. Pois a partir dai ia ser possivel fazer o aborto nos hospitais, o que implicava boas condições e este era feito por profissionais especializados no assunto (ginecologista / obstetricias). Os hospitais deviam tambem ter pessoas qualificadas para ajudarem as mulheres psicologicamente visto que uma mulher fica um pouco traumatizada. Todo e qualquer funcionário hospitalar à partida deviam manter o sigilo em relação às mulheres que procurasse os seus serviços. Visto que a prática do aborto para algumas mulheres já é visto como uma humilhação.Com a despenalização do aborto não se pretende que as mulheres usem o aborto como meio contraceptivo, mas agir de tal forma depende da consciencia e valores éticos de cada um.