quarta-feira, janeiro 17, 2007

Revisão do Código Deontológico divide médicos por causa do aborto 14.01.2007 - 07h47 Alexandra Campos (PÚBLICO)

"O código não pode opor-se à lei do país, ignorá-la, ainda que esta possa ser considerada imoral ou iníqua", diz Walter Osswald
Deve ou não o Código Deontológico da Ordem dos Médicos (CDOM) ser alterado no que ao aborto diz respeito? O documento que regula a conduta dos médicos é mais restritivo do que a lei face à interrupção voluntária de gravidez (IVG). Só autoriza a sua prática quando a vida da mãe está em perigo, quando o actual Código Penal (CP) a prevê também nos casos de violação e malformação fetal.
A questão já tinha sido levantada, mas volta a gerar controvérsia agora que o referendo sobre a IVG se aproxima. Se o "sim" vencer, o fosso entre o código e a lei aumentará. Há médicos que reivindicam a sua imediata revisão, enquanto outros defendem que não se podem mudar princípios éticos. Confrontado com a necessidade de se alterar a disposição do código que tem gerado polémica - a que define o aborto como "falta deontológica grave", à excepção dos casos em que está em risco a vida da mãe -, o bastonário da Ordem dos Médicos (OM), Pedro Nunes, é peremptório: não vê razões para que o código seja mudado relativamente a esta matéria, mesmo que o "sim" passe no referendo. "A penalização é moral, não significa que acarrete uma pena", explica, garantindo que nenhum médico será processado disciplinarmente se interromper uma gravidez ao abrigo da lei. Não há aqui qualquer tipo de contradição, argumenta o bastonário, que se abstém de tomar uma posição oficial pelo "sim" ou pelo "não". "Não posso retirar do código a condenação da interrupção de uma vida existente", sustenta. Pedro Nunes dá o exemplo de um homicídio em legítima defesa - "não deixa de ser homicídio, apesar de beneficiar de atenuantes". "As leis não ponderam, quem pondera são os juízes". E, na OM, os "juízes" são os responsáveis pelos três conselhos disciplinares (Norte, Centro e Sul) e o próprio bastonário, diz.Vinte e um anos para um código é muito tempoMas são vários os médicos que contestam este entendimento. Mesmo dentro da própria OM. Luís Graça, presidente do Colégio da Especialidade de Ginecologia e Obstetrícia há sete anos, defende que o código "mais tarde ou mais cedo terá de ser alterado", até porque já passaram 21 anos desde que a actual versão foi publicada. E isso é demasiado tempo, sobretudo numa área como a Medicina, nota.O Código Deontológico é um regulamento interno que tem vindo a ser alterado aos bocadinhos, sem se consultar os médicos, lamenta Rosalvo Almeida, neurologista que há alguns anos propôs a realização de um debate a nível nacional com contributos da sociedade civil sobre esta matéria. Sem sucesso. "Se a lei permitir algo que a moral me impede, a única saída é a objecção de consciência. Se a minha consciência ética não reprova os meus actos e os meus actos são legais, não admito que outros - pretensos detentores da ética oficial - me apontem o dedo acusatório e me condenem publicamente, mesmo que só com uma reprimenda", explicitou, num artigo recentemente publicado.A psiquiatra Ana Matos Pires, defensora do "sim" à despenalização, vai mais longe. Os responsáveis da OM "querem impor as regras da sua própria consciência aos médicos", afirma. " Isto é abuso de poder. Se os outros códigos se adequaram às leis vigentes nos respectivos países, por que razão não acontece o mesmo em Portugal", pergunta. Apesar de o Código Deontológico "não ter força de lei", o professor de Bioética da Universidade Católica, Walter Osswald, defende também que a sua revisão faz hoje sentido. "Desde que se conserve a objecção de consciência, não encontro razões para que o código se sobreponha à lei" no que ao aborto diz respeito, diz. Para o especialista que elaborou o relatório do Conselho Nacional para a Ética e Ciências da Vida (CNECV) sobre aborto e é defensor do "não" à despenalização, seria preferível que o código estabelecesse apenas que se trata de uma falta deontológica, excepto quando praticado "nas condições da lei". "O código não pode opor-se à lei do país, ignorá-la, ainda que esta possa ser considerada imoral ou iníqua. Tem que permitir excepções. Não vejo que isso destrua a doutrina de base - a de que o médico está ao serviço da vida", sustenta.Daniel Serrão quer adequar à lei penalNo mesmo sentido, o professor Daniel Serrão, que há anos coordenou o Conselho Nacional de Ética e Deontologia Médicas da OM, defende que devem ser propostas modificações, de forma a que sejam acolhidas as outras indicações médicas hoje previstas na lei penal. Mas já não acha que o mesmo deva acontecer se o aborto a pedido da mulher for despenalizado. "Isso é manipular e instrumentalizar um acto que não é médico", alega o especialista em Bioética, propondo mesmo que os clínicos que participarem nesta prática possam no futuro ser alvo de uma "censura moral pública". Mas sem punição.Para Filipe Almeida, pediatra e professor da Faculdade de Medicina do Porto, que integra o movimento Positivamente não (dos leigos católicos), a questão não é tão linear. "A lei dos médicos não tem que ir a reboque da lei geral. Mas, perante a discussão social em aberto, é oportuno que a classe médica faça uma reflexão sobre esta matéria", ainda que desta reflexão "possa resultar o mesmo texto".Quem acredita que nada deve ser alterado no que ao aborto diz respeito é o cirurgião Gentil Martins, ex-bastonário da OM que participou na redacção do actual código. Para o médico, o Código Deontológico é "mais importante do que a lei" do país em que vive. "O código não tem que se adaptar à lei penal. É uma emanação ética, de moralidade e de conceitos de civilização. E a lei nem sempre é moral." Deve ser actualizado, sim, mas em tudo o que é ciência, não devendo ser alterados os seus princípios fundamentais, conclui.
COMENTÀRIO:O Código Deontológico dos Médicos proíbe a prática do aborto, o que não mudará mesmo que o "sim" vença no referendo sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG), que decorrerá em breve. Pedro Nunes, bastonário da Ordem dos Médicos, garante: «Jamais alteraremos o Código Deontológico por causa desta lei». O código que rege os clínicos, continuará a enquadrar a prática do aborto como uma «falta deontológica grave», já que os princípios que regem os médicos são os da «protecção da vida». Desta forma, há uma clara colisão entre o que poderá vir a ser a lei da IVG e o Código Deontológico dos Médicos. Há uma não identificação entre o que são os valores médicos, que vêm desde a antiguidade, e os valores que a sociedade passa a adoptar. Os efeitos que esta diferença de valores pode causar é que a Ordem continuará a ter a mesma opinião crítica sobre os clínicos que optarem pela prática do aborto, independentemente da lei.Esta prática poderá fazer com que a dificuldade em encontrar um médico que se disponha a interromper a gravidez de uma mulher se mantenha. É possível que se mantenha essa dificuldade em arranjar um médico que pratique o aborto existe uma lei e uma questão ética a ser seguida pela profissão.De acordo com o documento que rege a profissão dos médicos, que não será alterado, o conselho deontológico da Ordem continuará a censurar ou mesmo a suspender os clínicos que pratiquem o aborto, excepto nos casos previstos no código, transpostos no ponto 3 do artigo 47º. «Não é considerado aborto, para efeitos do presente artigo, uma terapêutica imposta pela situação clínica da doente como único meio capaz de salvaguardar a sua vida e que possa ter como consequência a interrupção da gravidez» diz o código, que prevê uma terapêutica própria que tem de ser seguida à risca. As decisões do conselho disciplinar da Ordem dos Médicos, mesmo que a lei seja promulgada, continuarão a passar pela censura ou suspensão do médico, da qual o mesmo acabará por recorrer, e terá razão, de acordo com a lei em apreço.
Nestes casos, não há dúvidas de que prevalece a lei administrativa. A questão disciplinar é apenas profissional. Antes de mais somos cidadãos de um país. Por isso, não há dúvidas de que a lei prevalece ao código deontológico, mas uma lei não pode por em causa o edifício deontológico seguido pelos médicos.
O código Deontológico no seu artigo 47º
«1. O Médico deve guardar respeito pela vida humana desde o seu início.2. Constituem falta deontológica grave quer a prática do aborto quer a prática da eutanásia.3. Não é considerado Aborto, para efeitos do presente artigo, uma terapêutica imposta pela situação clínica da doente como único meio capaz de salvaguardar a sua vida e que possa ter como consequência a interrupção da gravidez (…)»

Como se vê, o Código Deontológico só salvaguarda um dos três casos de aborto lícito segundo o Código Penal, e mesmo assim em condições mais exigentes do que este. Por isso, o Código Deontológico é ilegal, na medida em que pune disciplinarmente actos médicos que não são ilícitos. O Código só pode punir disciplinarmente o aborto, em si mesmo, se realizado contra a lei.A Ordem dos Médicos não é uma associação médica privada, de tendência religiosa, nem sectária. É uma instituição pública dotada de poderes públicos. O Ordem não pode punir aquilo que o Estado não quer que seja punido.

Não faz sentido algum e torna-se inaceitável que o Ministério da Saúde já esteja disponível para pagar no privado os abortos onde está a ética da profissão? Posso concluir que não passa de uma questão de negocio, o dinheiro acima de tudo ganhar por dar fim a uma vida, onde deveria de existir mais apoio a nível de saúde, porque os contraceptivos são também pagos o que não facilita a questão do aborto.
Onde no país a meio do ano já não existem pílulas contraceptivas para distribuir nos centros de saúde, onde o preservativo e as pílulas do dia seguinte são caros, se esteja a pensar fazer convenções para praticar abortos em clínicas privadas. É inaceitável para qualquer cidadão não se manifestar em relação a estas questões que estão vísseis para qualquer um.
Numa altura em que a questão do aborto volta à ordem do dia, os médicos são acusados pelo ministro da Saúde de não realizarem nos hospitais as interrupções da gravidez previstas na lei. A ética da profissão não pode ser alterada "segundo a moda social", mas garante, nenhum médico será processado disciplinarmente se fizer um aborto legal.
Haverá algum sentido para que os médicos pretendam a revisão do código deontológico da classe, que apenas permite a realização de abortos em caso de risco para a vida da mãe, colidindo com a lei da interrupção voluntária da gravidez (IVG).
O Código deontológico não é alterável pelas circunstâncias do país. Antes das alterações à lei de 1984 a legislação portuguesa proibia qualquer forma de aborto e o código deontológico dos médicos permitia-o quando a vida da mãe estava em risco. Não é possível segundo a moda social tentar alterar a ética de um grupo profissional. Os códigos baseiam-se num conjunto de conceitos que são da ética de cada profissão e tem um carácter humanista universal. O compromisso baseia-se numa ética que é igual para um médico que trabalhe em Portugal ou para o médico que trabalha na China, onde aos condenados à morte lhes retiram os órgãos para transplante. Na prática, um médico que faz uma IVG numa vítima de violação, prevista na lei, está a ir contra o seu código deontológico.

As consequências, na prática, serão nulas. O médico, que aceite o pedido de IVG ao arrepio do código deontológico, contará com uma atitude crítica por parte dos colegas. Mas seria descabido por parte da OM aplicar-lhe uma pena de suspensão. O médico recorreria para o Tribunal Administrativo e seria ilibado. A OM é apenas uma associação de direito pública que está sujeita às leis do país.
Nenhum médico foi ou será alvo de condenação disciplinar por praticar um aborto ao abrigo da lei?Não será alvo de processo, mas mesmo que fosse poderia recorrer. O ministro da Saúde acusa os médicos de não cumprirem a actual lei da IVG. E para que os abortos ao abrigo da lei possam ser feitos, admite recorrer a clínicas privadas, como a clínica Los Arcos que vai abrir em Portugal...É lamentável que num país onde a meio do ano já não há pílulas para distribuir nos centros de saúde, onde o preservativo se paga ao preço de mercado, a pílula do dia seguinte se paga cara, onde tudo isso deveria ser uma contracepção gratuita, é lamentável que se esteja a pensar fazer convenções para praticar abortos em clínicas privadas. Isto quando para fazer operações a cataratas não há convenções, quando para operar doentes com varizes não há convenções. Se não fosse grave era de um ridículo atroz.
Podemos e devemos agir e pensar com racionalidade e pensar na vida humana com coerência e sem esquecer as questões éticas, pensar que a vida é disponível e que o aborto é uma forma de contracepção.
O que se invoca são razões de saúde pública das mulheres que abortam na clandestinidade.Essa era uma questão válida nos anos 60. Era um enorme risco social e o número de mortes de mães. A situação não tem hoje a mesma gravidade. O aborto hoje é muitas vezes feito por via química (comprimidos) e muitas das situações que chegam aos hospitais são de aborto em decurso, que os médicos completam porque estão a estancar uma hemorragia.
O uso contracepção exige educação e a alteração de comportamentos, além de que os métodos não são infalíveis.Se os médicos de família não estivessem tão aceberbados com tanto trabalho burocrática teriam muito mais tempo para fazer educação para a saúde. Para dar informação aos doentes. Para a OM não é claro, antes pelo contrário, que a vida se inicie no momento da fecundação. E portanto há formas eficazes de actuação, como a contracepção de emergência, conhecida como a pílula do dia seguinte. O debate sobre o referendo não deve passar pela defesa da vida, mas manter-se estritamente legal. Aborto? Mais um negócio para as clínicas privadas! Então se temos um sistema de saúde vergonhoso com listas de espera que nunca acabam, com esperas para tratamentos de cancros que chegam a meses, com esperas para cirurgias que quase chegam a 1 ano e agora sobre-carregamos com abortos que tem de ser feitos até ás 10 semanas?! Isto é que vai ser um "good timing" ou será que se quiserem abortar a tempo terão de pagar no privado?!!!!...
Aluna Sónia Correia n.º 43 78

1 comentário:

Helena Alves, nº4715 disse...

Hoje em dia a ciência, a lei e a ética vivem num total e assustador descompasso. Pois é o que vai acontecer no caso da despenalização do aborto. Como muita gente sabe o Código Deontológico da Ordem dos Médicos defende que O médico tem o direito de recusar a prática do acto da sua profissão quando tal prática entra em conflito com a sua consciência moral, religiosa ou humanitária ou contradiga o disposto neste código, ou seja, este código não permite a prática do aborto em alguns casos porem só permite quando a vida da mãe encontra se em risco. A presente noticia pronuncia que a revisão do código deontologico dos medicos vair dividir os medicos, pois é o que vai acontecer em caso da despenalização do aborto.Esta proposta já foi rejeitada em referendo anterior embora a percentagem de opiniões expressas não tivesse sido suficiente para tornar a escolha do eleitorado constitucionalmente irreversível o que foi aproveitado pelos defensores do alargamento do aborto voluntário. Nos dias de hoje se fala muito na revisão do referido código muitos médicos concordam com esta revisão no que diz respeito ao aborto e outros nem por isso, muitas pessoas vão votar no sim e outras no não, a quem define o aborto como uma grave falta deontológica, falta de ética, outros perguntem Como falar em ética quando se pensa em eutanásia, aborto e currais humanos. Em suma muitos acham que a lei não pode ultrapassar a ética pois antes da lei têm que estar os direitos humanos e a ética. Eu acho que deveriam alterar o código sim no que diz respeito ao aborto, pois a medicina esta em constante evolução e porque não esta evolução Mas também acho que não deveria permitir a despenalização na sua totalidade, como por exemplo deveriam permitir só quando está em risco a vida da própria mãe que já é permitido, quando a gravidez é fruto de uma violação já que a criança não é desejada e entre outros casos, pois acho que mesmo com a despenalização o aborto clandestino não vai diminuir, porem a legalização não é o caminho adequado para resolver o drama do aborto uma vez que nem todas as mulheres que praticam o aborto têm condições financeiras para fazer um aborto legal pagando uma clínica ou hospital porque presume-se que este vai ser um pouco caro. Muitos defendem que o aborto é um direito da mulher, eu não concordo, pois ninguém tem o direito de decidir se um ser humano deve viver ou não mesmo que seja a mãe que acolheu no ventre, acho que a mulher tem direito a decidir se concebe ou não, mas desde que uma vida foi gerada já é outro ser que deve ser defendido e protegido como qualquer um, pois eu considero que a vida humana existe desde o momento da sua concepção, dai que o aborto praticado sejam quais as razões que levam a ele é sempre uma violência injusta contra o ser humano. Muitas pessoas defendem que o pais deve apostar mais na distribuição dos métodos anticonceptivos, mas está bem claro que a utilização dos métodos anticonceptivos diminui o número de abortos mas não o faz desaparecer, porque nenhum método anticonceptivo é infalível, eu acho que as razões que levam mais mulheres a interromper uma gravidez não desejada nesses países são a prática incorrecta do coito interrompido, a ruptura de preservativos ou o uso incorrecto da pílula e principalmente a falta de informação. Para concluir vou dizer que concordo com revisão no que diz respeito ao aborto se bem que está despenalização vai levar a tal divisão entre os médicos e não só, uma vez que uns concordam e outros não, mas já que nenhum médico foi ou será alvo de condenação disciplinar por praticar um aborto ao abrigo da lei, esta é mais uma razão para que o código deontológico dos médicos seja alterado neste sentido.