quarta-feira, janeiro 17, 2007

Assalto à Liberdade

O que se passou no 24 Horas é um sinal: em Portugal a liberdade de informação não tem muitos amigos
A decisão de um juiz de considerar que é legítimo vasculhar os computadores de jornalistas do 24 Horas, pondo em risco eventuais segredos profissionais, é muito mais grave do que pode parecer. Primeiro, porque confirma que o Ministério Público não está a investigar como foi possível que listagens de chamadas telefónicas de altas figuras do Estado estivessem entre os documentos do processo Casa Pia quando este deixou de estar protegido pelo segredo de justiça. O que está a investigar são os mecanismos da liberdade de imprensa, mecanismos que permitiram denunciar uma falha grave do próprio Ministério Público. Como já aqui escrevemos, não se quer saber do mal, quer-se matar o mensageiro que o revela.
Esta decisão judicial mostra como se está a instalar no sistema de justiça, mas também entre os responsáveis políticos, um clima favorável à limitação da liberdade de informação. Logo, à limitação da liberdade de todos os portugueses, do mais humilde cidadão ao mais ilustre ministro. Pior: estivemos distraídos o tempo suficiente para que a maioria do PS, com o apoio do PSD, elaborasse uma lei que pode revelar-se sinistra: a que cria a ERC - Entidade Reguladora para a Comunicação Social.
Na verdade, o que aconteceu no 24 Horas, quando a redacção foi invadida por polícias e magistrados, só não causou estragos maiores porque ainda se conseguiu recorrer para os tribunais. Mas será tal possível quando, um destes dias, alguém se apresentar numa redacção invocando o ponto 1 do artigo 53.º da dita lei: "A ERC pode proceder a averiguações e exames em qualquer entidade ou local, no quadro da prossecução das atribuições que lhe estão cometidas, cabendo aos operadores de comunicação social alvo de supervisão facultar o acesso a todos os meios necessários para o efeito." Nem mandato judicial, nem justificação plausível, apenas a exigência de um tapete vermelho para senhores que nem sequer necessitam de ser funcionários da ERC.
Dir-se-á que tal nunca sucederá pois a ERC não vai precisar de irromper pelas redacções. Talvez, mas a lei prevê que entre os seus poderes de "supervisão" está o de apreciar se um jornal ou uma televisão cumpre "em matéria de rigor informativo". Será que para o fazer não quererá vasculhar, por exemplo, as notas dos jornalistas? As gravações que não foram transmitidas? A lei, tal como está redigida, não o impede...
E que dizer da sua misteriosa obrigação de "proceder à identificação dos poderes de influência sobre a opinião pública, na perspectiva da defesa do pluralismo e da diversidade, podendo adoptar as medidas necessárias à sua salvaguarda"? Se a lei estivesse em vigor no tempo em que Marcelo ainda estava na TVI e batia recordes de audiência a ERC podia, ou porventura até devia, recomendar a José Alberto Moniz que o tirasse do ar. É que ele seria suspeito do "crime" de excessiva influência sobre a opinião pública, curiosamente o mesmo de que se queixava Santana...
Temos pois que uma entidade que devia servir a liberdade, garantindo o pluralismo por via da regulação da concorrência, pode descambar num polícia da liberdade. Mais: no clima que hoje vivemos, depois das sugestões dadas por ministros sobre como se devem comportar os jornalistas, face a um Ministério Público assanhado e face a esta decisão judicial, só falta mesmo que se acrescente ao Código Penal, como está em discussão, um novo crime só para jornalistas: o "crime de perigo", aplicável a qualquer trabalho que possa, por exemplo, prejudicar uma investigação criminal, logo aplicável a todo o jornalismo de investigação.
A liberdade de informação já viveu melhores dias em Portugal.
José Manuel Fernandes ( "Público" - 1 Mar 06)

Comentário:
A leitura deste artigo leva-nos a reflectir sobre questões como o segredo profissional dos jornalistas, e a liberdade de imprensa.
O sindicato dos jornalistas aprovou em Assembleia Geral em 1993 o “Código Deontológico dos Jornalistas”. O referido código, no ponto 6, diz que “0 jornalista deve usar como critério fundamental a identificação das fontes. O jornalista não deve revelar, mesmo em juízo, as suas fontes confidenciais de informação, nem desrespeitar os compromissos assumidos, excepto se o tentarem usar para canalizar informações falsas. As opiniões devem ser sempre atribuídas”. Quer isto dizer que a protecção das fontes deve ser cumprida, mesmo correndo o risco das informações veiculadas por essas fontes serem falseadas, uma vez que nem sempre é possível apurar todos os factos. Um exemplo disso são as acusações a pessoas ou a empresas feitas por fontes anónimas e divulgadas nos meios de comunicação social, que depois não é possível apurar a sua veracidade. Entretanto a pessoa ou empresa em causa já foi acusada e por tê-lo sido injustamente. É certo que até prova em contrário, todos são inocentes, mas não se pode negar a vital influência da comunicação social na nossa sociedade.
Ainda em relação ao referido código, no ponto 3 diz que: “0 jornalista deve lutar contra as restrições no acesso às fontes de informação e as tentativas de limitar a liberdade de expressão e o direito de informar. É obrigação do jornalista divulgar as ofensas a estes direitos”. Este ponto visa a questão fulcral desta notícia que é a limitação da liberdade de informação. Com a criação da ERC (Entidade Reguladora para a Segurança Social) os jornalistas enfrentam agora a possibilidade de verem os seus arquivos examinados sem ser necessária autorização judicial. Este facto está a gerar grande descontentamento na classe e muitos profissionais consideram que estão a ser postos em causa os princípios básicos da profissão. Os responsáveis pela criação da ERC defendem que a mesma terá uma função de supervisionar e não de fiscalizar a classe. Aguardemos para ver o que acontece.
Relativamente à ética, o código não a refere explicitamente, mas o ponto 10 diz que “0 jornalista deve recusar funções, tarefas e benefícios susceptíveis de comprometer o seu estatuto de independência e a sua integridade profissional. O jornalista não deve valer-se da sua condição profissional para noticiar assuntos em que tenha interesses”. Significa isto que deve pautar o exercício da sua função com ética, onde os valores de isenção e profissionalismo devem estar presentes, não se deixando influenciar.
Algumas referências sobre o tema da pesquisa efectuada:
PRINCÍPIOS INTERNACIONAIS DA ÉTICA PROFISSIONAL NO JORNALISMO
Princípio IV:A INTEGRIDADE PROFISSIONAL DO JORNALISTA
A integridade da profissão não permite que o jornalista aceite qualquer suborno com vista à promoção de algum interesse privado contra o bem-estar geral. Faz parte da ética profissional, da mesma forma, o respeitar a propriedade intelectual, e, em particular, evitar o plágio.
CÓDIGO DE ÉTICA DA SOCIETY OF PROFESSIONAL JOURNALISTS (EUA)
A Society of Professional Journalists acredita que o dever dos jornalistas é servir a verdade.
III. Ética
Os jornalistas não podem estar vinculados a qualquer interesse que não seja o direito do público a conhecer a verdade. 1. Os presentes, os favores, as viagens gratuitas, os tratamentos especiais ou privilégios podem comprometer a integridade de jornalistas e da empresa a que se encontram vinculados. Nenhuma oferta de valor deve ser aceite. 2. 0 segundo emprego, o compromisso político, os cargos oficiais e as responsabilidades assumidas em associações locais devem ser evitados na medida em que possam pôr em risco a integridade dos jornalistas e da sua entidade patronal. Os jornalistas e seus empregadores devem conduzir as suas vidas pessoais de forma que os proteja contra conflitos de interesses, reais ou aparentes. As suas responsabilidades para com o público são essenciais. Essa é a natureza da sua profissão. 3. As chamadas informações provenientes de fontes privadas ou duvidosas não devem ser publicadas ou transmitidas sem comprovação do seu alegado valor noticioso. 4. Os jornalistas devem procurar as notícias que sejam de interesse público, apesar de todos os obstáculos. Não devem poupar esforços para assegurar que a vida pública seja conduzida com transparência e que os arquivos públicos sejam abertos à consulta dos cidadãos. 5. Os jornalistas reconhecem a ética profissional em matéria de protecção das fontes confidenciais de informação. 6. 0 plágio é um procedimento desonesto e inaceitável.
Espero que os acontecimentos jornalísticos futuros não confirmem o título desta notícia e que possamos confiar nas informações que nos são transmitidas pela comunicação social.

1 comentário:

cteixeira disse...

Comentário:

O segredo profissional foi sempre um tema polémico.
Esta questão toma grande importância quando associada aos jornalistas bem como á liberdade de imprensa nos mais diversos temas debatidos na actualidade. Foi aprovado em Assembleia Geral em 1993 o Código Deontológico dos Jornalistas que pauta o procedimento e atitudes destes enquanto profissionais.
- Este Código Deontológico refere que este profissional se deve apresentar com uma postura de isenção perante qualquer relato efectuado;
- Deve identificar as suas fontes;
- Não deve revelar fontes confidênciais;
- Nunca deve desrespeitar compromissos;
- A proteção das fontes deve primar pelo rigor;
É de salientar que por detrás do profissional existe o ser humano com uma personalidade muito singular, com um percurso de vida que o torna defensor de determinados valores que de alguma forma tem sempre reflexos na sua actuação enquanto profissional.
O facto do jornalista trazer a público acusações a empresas ou pessoas com base em informações provenientes de fontes anónimas representa sempre falta de rigor e veracidade.
Vivemos numa época em que a comunicação social tem uma importância relevante, mas em que é possivel tentar regular a liberdade de expressão e o direito de informar.
Cabe a estes profissionais lutar pela liberdade de informação.
Ainda que a sua açção se faça pautar pelo Código deontológico e esteja em conformidade com pincípios éticos, correm sempre o risco de serem confrontados com a possibilidade de verem os seus artigos examinados sem autorização judicial.
O descontentamento generaliza-se e estes profissionais questionam-se e são muitos os que acham que começa a ser posto em causa os princípios éticos que norteiam a profissão.
O jornalista deve orientar a sua profissão no sentido de fazer valer a sua integridade, isenção e sentido ético consciente.
Nunca se deve sujeitar a pressões que coloquem em causa os princípios orientadores da sua profissão.
- O jornalista deve excluir qualquer hipótese de suborno,com vista a promoçáo ou qualquer tipo
de interesse próprio;
- devem manter-se afastadoos de conflitos de interesses que possam de alguma forma deturpar a verdade;
- Os jornalistas devem excluir de sua orientação, qualquer interesse que comprometa a veracidade da informação;
- Devem colocar de parte locais que possam por em risco, quer a sua integridade quer a sua entidade patronal;
- Devem excluir o plágio; Fontes duvidosas;
Devem agir de forma transparente, pautar-se pela veracidade de forma a chegar ao público com credebilidade de informação, e sem possibilidade de os induzir a erro.
Esta profissão como todas as que estão orientadas por princípios Éticos e por um Código Deontológico devem primar pela veracidade e profissionalismo.
Só desta forma conseguirão fazer chegar ao público informação com credebilidade e isenção.

Clotilde Teixeira
Nº4501