segunda-feira, janeiro 15, 2007

Pagamentos: ética ou falta dela

Estudos recentes revelam-nos a preocupante dimensão que em Portugal atinge o incumprimento dos prazos de pagamento nos compromissos assumidos pelo Estado e também pelos particulares.
Segundo estes estudos, a média do desrespeito ronda os 150 dias no lado do Estado e atinge os 80 dias nos chamados privados. Pergunta-se: porquê esta total falta de rigor e de ética no cumprimento das obrigações na data acordada? Porquê este permanente abuso que desvirtua a sã competição e desregulariza os mercados, premiando os faltosos e punindo os cumpridores?
As justificações para estes comportamentos eticamente condenáveis podem ser muitas, a começar pelo facilitismo lascivo que tem vindo a ser induzido na sociedade portuguesa, ou por algumas modas económicas que nos falam, permanentemente, de reengenharia financeira (felizmente já em desuso), da coqueluche dos leasings a propósito e a despropósito, do "cashflow" positivo a qualquer preço, etc.
Importa não esquecer, contudo, que o exemplo vem de cima, do principal incumpridor: o Estado. De facto, em vez de termos um Estado eticamente exemplar, empenhado em educar as famílias e os mais jovens no caminho da poupança e do rigor, ou apostado em fomentar a capitalização das empresas e em enaltecer a importância social do lucro, aquilo que nos é dado ver é um Estado gastador, indiferente à impossibilidade de respeitar os compromissos assumidos, arrastando consigo famílias e empresas que ficam também incapazes de satisfazer os seus pagamentos a tempo e horas.
Dir-se-á que esta realidade não é nova. Que o fado do "calote" é antigo e bem português. Então, porquê a urgência em encarar de frente este problema, de contrariar agora esta tineta de gastar acima das posses, de mandar às malvas os prazos dos pagamentos? Desde logo porque o arrastar da crise económica em Portugal veio abrir buracos mais profundos no nosso tecido económico; mas, acima de tudo, porque temos de viver este tempo de vacas magras num contexto internacional também difícil, onde se verifica uma crescente exigência no cumprimento dos compromissos, onde se tenta que apenas tenham direito à sobrevivência aqueles que revelem a competência e rigor suficientes para aceder ao crédito e continuar a investir.
Diga-se, em abono da verdade, que em Portugal muitos têm conseguido resistir a um Estado pouco ético e a uma concorrência desleal, superando com correctas estratégias empresariais as desvantagens estruturais impostas pelo País, nomeadamente por uma Justiça ministrada a passo de caracol que alimenta e premeia o mau pagador, isto num contexto económico internacional cada vez mais globalizado e competitivo.
E é precisamente o exemplo de sucesso destas empresas portuguesas ou sediadas em Portugal que importa publicitar.
Porque são empresas que se regem por valores éticos que as diferenciam num clima concorrencial difícil e constituem, por isso mesmo, casos que urge replicar, multiplicando as experiências de empreendedorismo assentes em visão e estratégia empresariais correctas, mas também apoiadas por valores humanos e éticos que recusam a falta de rigor, desde logo no respeito pelas datas dos pagamentos.
Para além de ser sempre importante dar um sinal positivo, mostrar que, afinal, nem tudo está mal nesta freguesia, a divulgação dos casos de sucesso das empresas portuguesas no quadro do desejável debate sobre o problema nacional da falta de rigor nos pagamentos poderá – e deverá – alargar-se à análise de questões tão actuais como a nova reforma bancária europeia (Basileia II) e a sua política de "ratings" para as empresas portuguesas, quanto mais não seja como alerta para o perigo que ela pode vir a representar, a breve prazo, para muitas das nossas pequenas e médias empresas com estratégias ultrapassadas.
Dito de outra forma: se os problemas do crédito mal parado e dos pagamentos a desoras constituem uma chaga da vida económica portuguesa, então a situação vai certamente agudizar-se com a aplicação das regras de Basileia II. O que, afinal, não deixará de constituir uma notícia positiva para os empresários portugueses que há muito vêm pautando a sua actuação por valores morais e éticos, pois ficarão com mais espaço para rentabilizarem a sua competência e verem premiado o seu rigor. Já faltou mais...
David Zamith
http://www.negocios.pt/default.asp?Session=&SqlPage=Content_Opiniao&CpContentId=288315

Comentário:
Hoje em dia toda a gente sabe que em Portugal existe um grande incumprimento de prazos tanto por particulares como o próprio estado. O que revela grande falta de ética mas o que é considerado mais preocupante é o facto de o próprio Estado não cumprir os prazos.
Em termos jurídicos estes casos são muito falados, estes incumprimentos de prazos, onde não são punidos juridicamente, a não ser em termos de coima/multa. Tais medidas não têm um reflexo ético em termos pessoais ou sociais, ou seja, as sanções não são geralmente pesadas e por outro lado a sociedade não recrimina tais comportamentos, pelo que nem a pressão social para uma adequação moral surge como um motivo para o cumprimento de prazos, tal como é referido no texto, o estado, que representa a autoridade máxima na regulação da ordem social, não é exemplo do cumprimento de pagamentos para ninguém e também não é punido, pelo que dificilmente o cidadão comum lhe reconhece legitimidade para o obrigar a cumprir os seus pagamentos a tempo e a horas, esta identificação com o estado incapaz pode inclusivamente ter uma leitura psicológica, que passa pela capacidade do indivíduo interiorizar regras e normas bem como condutas morais e éticas aceitáveis elas só poderão ser interiorizadas, tornando-se parte da personalidade do sujeito se, para além da explicação teórica do dever, existir uma prática de cumprimento que se torna exemplo e modelo de funcionamento do sujeito como tal não se verifica a regra cai por terra e deixa de fazer sentido para o sujeito já que o não cumprimento o coloca num patamar de igualdade face à sociedade em geral.
O incumprimento nos pagamentos é acima de tudo um fenómeno jurídico. É possível pagar tarde, por isso paga-se tarde. A engenharia financeira que culmina em pagamentos atrasados não é mais do que a exploração de lacunas nos contratos. Por outro lado as punições aos atrasos podem ser insuficientes para que estes sejam afastados, ou seja, é preferível pagar tarde com os “juros de mora” associados, que pagar a horas. Hoje em dia as pessoas não se importam de pagar uma multa por efectuarem um pagamento sem ser no prazo, do que esperarem horas sem fim numa fila. O que não se compreende é que se o país está mal e ninguém tem dinheiro mas porquê não cumprir prazos e pagar-se multas.
O texto apresentado é bastante normativo, o autor exprime acima de tudo a sua opinião. A noção ética presente será então a sua, e não uma visão geral da sociedade portuguesa. Para se poder analisar um fenómeno a luz de uma visão ética deve, inicialmente, definir-se o que é correcto do ponto de vista ético. Tanto a Moral como o Direito baseiam-se em regras que visam estabelecer uma certa previsibilidade para as acções humanas, porém, estas diferenciam-se.
Nós Portugueses sempre fomos o tipo de pessoas que gastamos o que temos e o que não temos, daí o grande recurso ao crédito, a nossa mentalidade é um pouco retrógrada temos de ter porque o outro tem, por luxo; depois com o tempo o nosso endividamento é cada vez maior.
Como em todo o lado existem excepções e por vezes nota-se que não é preciso recorrer-se a actos pouco éticos para se chegar onde se quer, sabemos que em Portugal existem alguns casos desses, e esses sim é que importa discutir e enaltecer.A questão dos “ratings” pode ser uma falta de questão. Um exemplo económico pode refutar essa opinião. Se o mercado de capitais funcionar de forma eficiente, o atraso de um pagamento pode (caso o montante em divida seja investido no mercado) aumentar a capacidade de pagamento do devedor. Como o que é levado em consideração para a construção dos “ratings” é a capacidade de pagamento e não o tempo de pagamento, as empresas portuguesas podem não ser prejudicadas.
GE- Diurno n.º4075

1 comentário:

Orlando Roque disse...

"Notícia Inválida" por ausência de conteúdo ou ligação ético-profissional.