quinta-feira, janeiro 18, 2007

Direito à vida: Bebés com doenças incuráveis

Proposta para deixar morrer bebés com doenças ou deficiências incuráveis ou intratáveis é defendida na Holanda e em Inglaterra, mas rejeitada, sem margem para dúvidas, em Portugal, por médicos e pais. “Estamos sempre à espera de um milagre”, dizem.

A possibilidade de um milagre está sempre connosco e estamos à espera desse milagre. Não vamos assinar a sentença de morte do nosso filho.” As palavras vêm de longe, da Argentina. Saem da boca de José Anderson, pai de Brian, de cinco anos, que permanece em estado considerado vegetativo irreversível desde 2005, quando foi vítima de atropelamento. Apesar de desenganado pela medicina, José recusa-se a deixar morrer o filho. Os médicos que o assistem pedem à Justiça autorização para desligar as máquinas que mantêm viva a criança. Recusam a acusação de quererem a morte de Brian. Falam antes em deixá-lo morrer com dignidade, um tema que está a dar que falar do outro lado do Atlântico.
No Velho Continente, primeiro foram os holandeses, depois os belgas, agora chegou a vez dos britânicos. O assunto, ainda que apresentado de forma diferente, é o mesmo: eutanásia em bebés e crianças com doenças e deficiências incuráveis e intratáveis. Um tema que ganhou lugar na ordem do dia, dando origem ao actual debate.
Em Portugal falam mais alto as vozes que se levantam contra a possibilidade desta prática. Paula Costa, presidente da Raríssima – Associação de Deficiências Mentais e Raras, incomoda-se com o tema, mas não tem dúvidas. “Os pais não desistem nunca”, avança com a certeza conferida pela experiência de lidar com pais que, como ela, são obrigados a enfrentar o drama de ver sofrer os filhos com raras esperanças de melhoras. “Mas quem é que toma uma decisão dessas em nome dos filhos? Quem é o pai que diz aos médicos para porem fim a uma vida que foram eles que trouxeram ao mundo? Estamos a falar de um filho, que é o que temos de mais sagrado.”
Paula Costa fala em nome dos pais que integram a associação que dirige, “com casos dramáticos de crianças que são quase vegetais”, mas que “lutam até ao fim pela vida”.
EXIGIDA NOVA LEI
Foi o Real Colégio de Obstetras e Ginecologistas do Reino Unido que devolveu à actualidade, na Europa, o debate sobre a aplicação da forma activa de eutanásia nas crianças nascidas com incapacidades que as condenam a uma vida de dor.
Na Holanda, o primeiro país no Mundo a legalizar a eutanásia nos adultos, são os médicos que clamam por novas leis que lhes permitam pôr fim à vida de bebés que nascem com doenças para as quais a medicina não consegue dar resposta ou alívio. Decisão que, para o médico Daniel Serrão, professor universitário e membro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, não tem qualquer justificação. “É inaceitável. Mas a partir do momento em que se aprovou, na Holanda, a lei que permite a eutanásia em adultos, as crianças eram as vítimas que vinham a seguir.” De acordo com o especialista, criou-se a definição de ‘vida má’ que, adianta, vai permitir “eliminar quem tem a garantia dessa vida má”. No entanto, defende, quando se trata de crianças que nascem com malformações graves “não se justifica desacelerar o processo de vida, mas sim de acolhê-las com carinho”.
Contra os argumentos que justificam a eutanásia com o fim do sofrimento, responde com as práticas médicas disponíveis. “Há tratamentos para o sofrimento e para a dor, que são situações clínicas.”
O vice-presidente da Associação Portuguesa de Paralisia Cerebral, Abílio Cunha, tem a mesma opinião: “Conhecemos casos em que, quando nasceram, as crianças foram dadas como seres vegetativos e depois acabaram por se revelar uma surpresa. “A nossa batalha tem de ser para dar às pessoas mecanismos que lhes proporcionem qualidade de vida.”
DESLIGARAM-LHE A MÁQUINA PARA ACABAR COM A DOR
Em Itália, Piergiorgio Welby, de 60 anos, foi o nome por detrás do renascer do debate à volta da eutanásia naquele país. Vítima de distrofia muscular progressiva e paralisado há dez anos, Welby pediu que fosse desligada a máquina que o mantinha vivo. Em Setembro, enviou um vídeo ao presidente italiano, Giorgio Napolitano, em que pedia o direito à morte. Conseguiu finalmente um fim para o sofrimento que dizia ser interminável com a ajuda de um anestesista, que desligou o aparelho que substituía os pulmões, permitindo-lhe que respirasse. Segundo o médico, não se tratou de eutanásia – o que lhe podia valer uma condenação até 15 anos de prisão – mas apenas de cumprir a vontade do doente em não prosseguir com o tratamento.No passado dia 24, o funeral de Welby levou centenas de pessoas às ruas em protesto contra a decisão da Igreja, que não permitiu o serviço religioso uma vez que Piergiorgio tinha pedido, inúmeras vezes, para morrer. O desejo de morte, exigido pelo doente, levou mesmo o Papa Bento XVI a entrar no debate, condenando, uma vez mais, a eutanásia e reafirmando que a vida é sempre sagrada.
EMOÇÃO EM ESPANHA
Muitos têm sido os apelos feitos, um pouco por todo o Mundo, por doentes que pedem a morte. A história comovente de um deles, o espanhol Ramón Sampedro, deu mesmo origem a um filme – ‘Mar Adentro’, interpretado pelo actor Javier Bardem – que narra a luta que levou a cabo, primeiro pela vida e depois pela morte.
Tetraplégico aos 26 anos, Sampedro lutou na Justiça espanhola pelo direito a morrer. Ao fim de um processo judicial que durou cinco anos, as autoridades negaram-lhe a eutanásia activa voluntária. No entanto, com o apoio de amigos, Ramón Sampedro planeou a sua morte, que chegou finalmente a 15 de Janeiro de 1998.
A autópsia apontou como causa a ingestão de cianeto e os últimos minutos de vida, que deixou gravados em vídeo, revelam que se suicidou com a ajuda de amigos, que colocaram os medicamentos ao alcance da sua boca.
Uma das amigas de Sampedro foi acusada de homicídio. Mas um movimento internacional de pessoas que enviaram cartas “confessando o mesmo crime” impediram que a Justiça conseguisse condená-la, tendo o processo sido arquivado.
O DRAMA DA PEQUENA CHARLOTTE
A proposta a favor da eutanásia surgiu na sequência do caso da pequena Charlotte Wyatt, uma prematura que nasceu com problemas graves de coração, cérebro e pulmões e deu origem a uma batalha legal sobre o seu direito a viver. Para os médicos do Hospital de St. Mary, em Portsmouth, onde esteve internada três anos, Charlotte sofria dores constantes, sem possibilidade de desenvolvimento normal ou de vir a ter, um dia, uma vida independente. Os especialistas solicitaram aos tribunais autorização para nada fazerem para prolongar a vida da criança. Mas os pais lutaram sempre para que a bebé continuasse viva. Charlotte nasceu às 26 semanas, com 453 gramas, em 2003 e teve alta do hospital onde sempre viveu uma semana antes do Natal. Apesar de viva, os médicos garantem que será sempre dependente de terceiros. FACTOS E DATAS
PERPÉTUA NOS EUA
Em 1920 o norte-americano Frank Roberts envenenou a mulher, que sofria de esclerose múltipla, com arsénico, a pedido dela. Foi condenado a prisão perpétua e acabou por morrer na prisão.HOLANDA PIONEIRA
Em 1971, na Holanda, uma médica injectou uma dose elevada de morfina na mãe doente, acabando-lhe com a vida. Foi condenada a um ano de prisão. Mais tarde, em 1993, os holandeses publicaram uma lei impedindo que sejam processados médicos que pratiquem eutanásia ou suicídio assistido. Foi o primeiro passo, que culminou em 2000 com a aprovação de legislação sobre eutanásia. A Holanda foi o primeiro país do Mundo a legalizar esta prática.BELGAS A SEGUIR
A Bélgica foi o segundo país a legalizar a eutanásia. Depois de dois dias de aceso debate, o Parlamento de Bruxelas aprovou a lei, com 86 votos a favor e 51 contra. Apesar da aprovação, a eutanásia só é permitida quando o doente que quer pôr fim à vida está consciente do pedido e o repete mais do que uma vez.
SUICÍDIO ASSISTIDO
Na Suíça é permitido o suicídio assistido por médicos ou profissionais da área da saúde, mas a eutanásia não é legal naquele país. Nos Estados Unidos o estado do Oregon tornou possível, em 1994, que os médicos prescrevam uma dose letal de medicamentos a doentes em fase terminal.MÉDICOS EUROPEUS
Em 2005, o Comité Permanente dos Médicos Europeus reviu os fundamentos da proposta holandesa para eutanásia infantil e rejeitou qualquer proposta para legalizar o uso de meios activos para pôr fim à vida dos mais pequenos afectados por doenças incuráveis (congénitas ou prematuros com sequelas graves).

Carla Marina Mendes in Correio da Manhã de Quinta-feira, 18 de Janeiro de 2007

Comentário:

O tema continua, mais do que nunca, a ser polémico.
Por vezes parece tão fácil cair no chavão comum de “quem mora no convento é que sabe o que lá vai dentro”. Parece uma saída de avestruz, em que como não vi, nem ouvi não sei nada sobre isso.
Mais do que nunca temos de reflectir sobre várias vertentes: a Moral, o Direito e a Ética:
- sobre a primeira todos têm a sua e todos têm direito a expressa-la. No fundo a Moral estabelece regras que são assumidas pela pessoa, como uma forma de garantir o seu bem-viver.
- já o Direito é a estipulação de regras para uma sociedade e é delimitada pelas fronteiras do Estado. As leis têm uma base territorial, elas valem apenas para aquela área geográfica onde uma determinada população ou seus delegados vivem.
- por último a Ética aparece como um estudo geral do que é bom ou mau, correcto ou incorrecto, justo ou injusto, adequado ou inadequado.
A juntar a todos estes factores temos a ética profissional, que cada vez mais grupos e profissões tentam seguir.
Se pensarmos que os médicos, os enfermeiros e tantas outras profissões seguem códigos éticos e deontológicos que visam a defesa da vida, como se pode defender a eutanásia? Ao mesmo tempo, a mesma deontologia que os criou (veja-se o exemplo da declaração dos Direito do Homem) defende a autonomia e o direito à plena vida. Então como negar o direito à morte?
Ao se dizer que “os pais não desistem nunca” estaremos a defender o melhor interesse dos nossos filhos? Não será egoísmo da nossa parte manter um sofrimento permanente para quem por vezes já nem a medicina considera vivo? Ou será exactamente ao contrário? Por vezes não será essa obsessão que nos ajuda a caminhar no dia a dia e a superar aquilo que a outros parece insuperável?
Como aparece na notícia o debate tem vindo a varrer a Europa e agora parece ter chegado em força ao nosso país. Será melhor que todos vejam qual a sua ética sobre este assunto, qual o seu equilíbrio entre o que deve ser, o que pode ser e o que será melhor.

1 comentário:

Isabel Godinho nº4263 disse...

Comentário

A eutanásia pode ser definida como um acto voluntário de uma pessoa que sofrendo de uma grave enfermidade e não vendo dignidade nem sentido para a sua vida, decide pedir a alguém que a mate. As situações mais referidas reportam-se a pacientes que estão totalmente dependentes nas suas funções mais elementares, sofrem de grandes dores ou têm a perspectiva uma morte muito dolorosa.
Este tipo de eutanásia designa-se também "eutanásia voluntária", para a distinguir de um outro tipo de eutanásia dita "involuntária". Neste caso a decisão sobre a morte de alguém é tomada pela família, um médico ou mesmo um tribunal. Tratam-se do caso de pessoas que estão internadas em hospitais ou estão imobilizadas em casa, e cuja vida é mantida apenas por processos artificiais e não revelam sinais de possuírem auto-consciência.
A evolução das sociedades humanas tem sido feita no sentido de preservar a vida humana, independentemente das condições do seu ser. Cada pessoa é única e tem a sua própria dignidade e como tal deve ser respeitada.
Muitas vezes este extensão da vida é feita em condições tais, que um doente em coma vegetativo é mantido vivo apenas com o recurso a máquinas que substituem o normal funcionamento das suas funções vitais. Os avanços das tecnologias utilizadas nos hospitais está a permitir prolongar estas situações de coma. Esta é uma das razões de fundo porque adquiriu tanta importância o debate sobre a eutanásia nas nossas sociedades.
A Holanda elevou a eutanásia a um direito humano, e os políticos e cientistas não conseguem compreender agora a vaga de suicídios de adolescentes que varre a sociedade holandesa, rica e confortável.
Um dos problemas de difícil resolução consiste na definição de um critério para a própria morte. Quando é que poderemos dizer que alguém está morto e que são irrecuperáveis as suas funções básicas ?
Existem duas situações de coma vegetativo: Coma Vegetativo Persistente. O doente perdeu as suas funções cognitivas, mas mantém as suas funções circulatórias e respiratórias. As suas possibilidades de recuperação, após alguns meses são mínimas. Coma Vegetativo Intermitente. Os doentes podem manter-se nesta situação por períodos de tempo muito prolongados (meses ou anos).
As decisões médicas tomadas no âmbito da medicina de acompanhamento têm um suporte científico, mas têm, principalmente, uma muito significativa estrutura ética. Não é apenas o técnico que decide sobre o que fazer com um corpo cuja vida biológica está a extinguir-se; é o médico, enquanto pessoa humana, com uma longa tradição de respeito pelo doente. A prestação de cuidados de saúde no período final da vida reveste-se, em consequência, de um exemplar carácter ético.
"Este Conselho pretende desenvolver uma reflexão ética que, por um lado, seja partilhada por todos os cidadãos da nossa sociedade pluralista, mas que, por outro, não se limite a um pragmaticismo ético, a uma deontologia sem fundamentação crítica, ou à aceitação passiva de práticas de eutanásia.”
A tradição hipocrática tem acarretado que os médicos e outros profissionais de saúde se dediquem a proteger e preservar a vida. Se a eutanásia for aceita como um ato médico, os médicos e outros profissionais terão também a tarefa de causar a morte. A participação na eutanásia não somente alterará o objectivo da atenção à saúde, como poderá influenciar, negativamente, a confiança para com o profissional, por parte dos pacientes.
O código de ética dos médicos diz que a Medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da colectividade e deve ser exercida sem discriminação de qualquer natureza. O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional. O médico deve aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente. O médico deve guardar absoluto respeito pela vida humana, actuando sempre em benefício do paciente. Jamais utilizará seus conhecimentos para gerar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade.
Os pais que tem filhos em estados vegetativo pensam no carinho e amor que lhe tem, apesar dos seus filhos estarem ali sem qualquer reacção para a vida isso tem um peso grande nas vidas destas pessoas, mas os filhos são muito importantes na sua vida, apesar da situação em que se encontram.
Quem são os médicos para querer meter fim a uma vida que se encontra indefesa, podem estar num estado muito grave mas não deixa de ser uma vida que esta ali, ligadas as máquinas e em alguns casos são estas que os mantêm vivos.
Em algumas situações a eutanásia pode ser o acto de desespero por a pessoa se sentir inútil para si própria, e estar a depender dos outros a sua volta, mas apesar de todos os problemas acho que não há ninguém que queira a sua morte apenas num acto de desespero o fazem para deixarem de sofrer e libertar os outros das responsabilidades e dor que sentem.
Pessoas que levam anos a fio ligadas as maquinas para as verem apenas respirar e não darem sinais de vida, apenas são as máquinas que o mantêm assim, se elas forem desligadas ele morrera, nestas casos a que pensar se é ético continuar a deixar que uma vida seja mantida por mecanismos criados pelo homem o por fim a uma vida de insignificância e de dor para todos os familiares e amigos que o visitam na cama de hospital.
Tanto a família comos os médicos antes de tomarem uma decisão em relação a uma pessoa que esta neste estado ponderam as decisões éticas, ou seja se será ético provocar uma morte, isto depende de caso para caso.
Os médicos não podem por fim a vida de uma pessoa pois eles fazem todos os possíveis para que a vida humana tenha uma vida mais saudável.