sexta-feira, janeiro 19, 2007


Sacerdote evoca segredo da confissão para não falar
“As investigações à Casa de Gaiato de Setúbal, por indícios de crimes de maus tratos, foram dificultadas pela falta de colaboração do próprio director da instituição. O padre Júlio Pereira evocou o segredo da confissão para tentar esconder das autoridades judiciárias a identidade dos jovens ali residentes.
Ao que o DN apurou, o Ministério Público (MP) teve de solicitar a um juiz de instrução a emissão de um mandado de busca. De posse deste documento, apresentou-se na Casa do Gaiato com uma brigada da Polícia Judiciária, de que fez parte também a coordenadora do departamento de Setúbal, Maria Alice Fernandes. De acordo com informações recolhidas pelo DN, os rapazes ao verem os inspectores logo indicaram quem eram os agressores. Quanto ao padre Júlio Pereira, o segredo da confissão já não lhe terá servido para nada.
ArquivamentosOnze processos foram instaurados, desde 1996, pelo MP contra a Casa do Gaiato de Setúbal, e concretamente contra o seu ex-director, padre Acílio Fernandes, actual director nacional da Obra da Rua. Todos acabaram arquivados, à excepção de um - o processo em que o tribunal, em Abril de 2003, decretou que aquele responsável não poderia exercer funções de natureza disciplinar na Casa de Setúbal. Desde 2001 que o padre Acílio se encontra na Casa do Gaiato de Paço de Sousa (Penafiel). A partir daquela data a residência sadina passou a ser dirigida pelo padre Júlio Pereira.”
http://dn.sapo.pt/2006/06/08/tema/sacerdote_evoca_segredo_confissao_pa.html
Comentário:
Código de Direito Canónico
“Nas sociedades ocidentais, direito canónico (ou direito canónico) é a lei das Igrejas Católica e Anglicana. O conceito leste-ortodoxo de direito canónico é semelhante mas não idêntico ao modelo mais legislativo e judicial do ocidente. Em ambas as tradições, um cânone é uma regra adoptada por um Concílio Ecuménico (Do grego kanon/κανον, para regra, standard, ou medida); estes cânones formavam a fundação do direito canónico.”
Direito canónico na Igreja Católica
“O direito canónico é o conjunto das normas que regulam a vida na comunidade eclesial. Diferentemente do direito romano, que disciplinava as relações no Império romano, já extinto; o direito canónico está directamente relacionado ao dia-a-dia de mais de um bilhão de católicos no orbe terrestre. Por exemplo, quando se deseja discutir a validade de um casamento (nulidade de matrimónio) realizado na Igreja, recorre-se à corte canónica ou tribunal eclesiástico.
O direito canónico está praticamente todo condensado no código canónico. Neste diploma legal, encontram-se regras de direito material e de direito processual. O direito canónico tem vários ramos: direito penal canónico, direito administrativo canónico e direito patrimonial canónico, d e entre outros.
O actual código canónico foi promulgado pelo papa João Paulo II no ano de 1983, isto é, substituindo o código anterior, datado de 1917, que fora promulgado pelo então Papa Bento XV.”
983 – § 1. O sigilo sacramental é inviolável; por isso é absolutamente ilícito ao confessor de alguma forma trair o penitente, por palavras ou de qualquer outro modo e por qualquer que seja a causa [Sacramentale sigillum inviolabile est; quare nefas est confessario verbis vel alio quovis modo et quavis de causa aliquatenus prodere paenitentem].
984 - § 1. É absolutamente proibido ao confessor o uso, com gravame do penitente, de conhecimento adquirido por meio da confissão, mesmo sem perigo algum de revelação do sigilo.§ 2. Quem é constituído em autoridade não pode usar de modo algum, para o governo externo, de informação sobre pecados que tenha obtido em confissão ouvida em qualquer tempo.
979 - O sacerdote, ao fazer perguntas, proceda com prudência e discrição, atendendo à condição e idade do penitente, e abstenha-se de perguntar o nome do cúmplice.
1388 - § 1. O confessor que viola directamente o sigilo sacramental incorre em excomunhão latae sententiae reservada à Sé Apostólica; quem o faz só indirectamente seja punido conforme a gravidade do delito.
§ 2. O intérprete e os outros mencionados no cân. 983, § 2, que violam o segredo, sejam punidos com justa pena, não excluída a excomunhão.
A confissão é o acto de reconhecer e declarar a própria culpa. Na religião cristã católica, o termo confissão designa o acto com que, dentro do sacramento da penitência, o fiel manifesta ao sacerdote os próprios pecados, para receber a sua absolvição sacramental. A idéia de que esse dever de sigilo seja absoluto chega a trazer-lhe como reprimenda a pena latae sententiae, ou seja, sem direito à ampla defesa e aos recursos. E isso ocorre, por óbvio, para que não se permita a instauração de um processo para discutir se em um ou outro caso poderia ser lícita a violação de tal segredo. Em qualquer hipótese não o será, pois ali o sigilo é valor supremo, quaisquer que sejam as circunstâncias envolvidas. Permitir que se o discuta colocará em risco a evidente irreversibilidade dos efeitos deletérios da violação de segredo, cuja analogia cabe perfeitamente à hipótese médica. Pelo que me dá a entender o segredo de confissão só pode ser levantado quando vidas estão em jogo e a quebra assim se justifica, mas neste caso estamos a falar de jovens, não apenas de pessoas jovens mas também de jovens vidas. Vidas estas que podem ficar marcadas por este tipo de maus tratos (que não são definidos).
Um sacerdote que, diante de uma autoridade laica, seja compelido a revelar conteúdo de confissão sacramental que ministrou, e o faça, está excomungado latae sententiae. Parece que não terá sequer oportunidade de invocar qualquer escusa, pois não há circunstância a ser alegada em sua defesa. O seu dever é negar-se a tal revelação, ainda que sobrevenham reprimendas pelas autoridades seculares, e na noticia diz-nos que houve um mandato e tudo. Nesse sentido, a forma de preservação do direito canónico do justo funcionamento do sacramento da confissão é simples: a pena latae sententiae.
O padre Júlio Pereira joga a seu favor não poder quebrar o segredo de confissão, mas terá ele apenas a pensar na sua profissão ou terá sim a tentar encobrir algo mais grave??? Não nos esqueçamos do recente caso “Casa Pia”!
A vontade do segredo deve ser protegida ainda quando corresponda a motivos subalternos ou vise a fins censuráveis e penso que este seria um caso em que deveria-se quebrar o segredo. Tal como o médico deve calar o pedido formulado pela cliente para que a faça abortar, do mesmo modo que o advogado deve silenciar o confessado propósito de fraude processual do seu constituinte, embora, num e noutro caso, devam os confidentes recusar a sua aprovação ou entendam de desligar-se da relação profissional. Ainda mesmo que o segredo verse sobre fato criminoso, deve ser guardado. Entre dois interesses colidentes – o de assegurar a confiança geral nos confidentes necessários e o da repressão a um criminoso – a lei do Estado prefere resguardar o primeiro, por ser mais relevante. Por outras palavras: entre dois males – o da revelação das confidências necessárias (difundindo o receio geral em torno destas, com grave dano ao funcionamento da vida social) e a impunidade do autor de um crime – o Estado escolhe o último, que é o menor.

2 comentários:

Dinamene Silva n.º 4310 disse...
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Dinamene Silva n.º 4310 disse...

Escolhi esta notícia porque aborda um tema que tem sido muito abordado actualmente, que é o sigilo profissional, embora neste caso seja o dos padres, que tem o nome de segredo sacramental ou segredo de confissão.
Tal como muitas outras profissões, os padres também são regulados por um código, que neste caso é o Código de Direito Canónico (C.D.C.). Este código divide-se por sete livros que têm como objectivo regular a vida eclesial, ou seja, a vida da igreja tanto interna como externamente. Este código foi promulgado pelo papa João Paulo II no ano de 1983.
Por confissão a igreja entende o sacramento que envolve a admissão de pecados perante um padre, presbítero ou bispo que neste momento actua em nome de Cristo, e o recebimento da respectiva penitência. A penitência desempenha a função de perdoar os pecados do indivíduo, e assim alcançar a absolvição ou o perdão de Deus.
Tal como todos os outros profissionais cuja profissão é regulada por um código os padres também estão obrigados ao sigilo profissional, que para eles é o segredo da confissão ou segredo sacramental, ou seja, quer dizer que o que foi ouvido em confissão não pode ser divulgado por palavras ou de outra forma, seja porque motivo for. Este segredo deve-se à exigência da dignidade do sacramento da Penitência e da liberdade dos penitentes, por isso a lei canónica e em geral as leis civis de liberdade religiosa isentam os sacerdotes da obrigação de prestarem declarações sobre o que souberem pelo exercício da sua actividade pastoral, especialmente no confessionário.
Este sigilo difere um pouco dos outros, pois enquanto nas outras profissões existem excepções em que é possível quebra-lo, para os padres isso não acontece. Esta regra está contida no cânone 983.º n.º1 do C.D.C. que diz que “O sigilo sacramental é inviolável; por isso é absolutamente ilícito ao confessor de alguma forma trair o penitente, por palavras ou de qualquer outro modo e por qualquer que seja a causa.”, o mesmo se passa em relação aos intérpretes “ Têm obrigação de guardar segredo também o intérprete, se houver, e todos aqueles a quem, por qualquer motivo, tenha chegado o conhecimento de pecados através da confissão (cânone 983.º n.º 2).
Esta proibição é de carácter absoluto, não existindo por isso nenhuma autoridade que o possa cessar. Por isso e com base no cânone 1388.º n.º1 O confessor que viola directamente o sigilo sacramental incorre em excomunhão latae sententiae reservada à Sé Apostólica; quem o faz só indirectamente seja punido conforme a gravidade do delito.” A excomunhão latae sententiae é quando um indivíduo devido à sua acção se auto-exclui da comunhão pela igreja, ou seja, o indivíduo não tem direito a se defender e nem a recorrer da punição.
Um sacerdote que pela autoridade laica seja obrigado a revelar o conteúdo de uma confissão não o deve fazer sob pena de excomunhão latae sententiae, mesmo que isso lhe implica um punição executada pelo tribunal laico.
O padre Júlio Pereira ao evocar o segredo de confissão para não falar está a agir de acordo com o seu código(cânone 983.º), pois segundo este ele não pode revelar nada que tenha sido ouvido em confissão, ou seja, ao não falar este padre está a proteger a parte penitente. Mas será que o padre Júlio está a defender os direitos do penitente ou estará ele a tentar esconder alguma coisa? Neste caso a parte que o padre Júlio está a proteger é a precisa de mais protecção? Para mim estas são dúvidas pertinentes, pois uma vez que as investigações decorrem na instituição que este dirige, ele poderá querer esconder o que realmente se poderá passar através da evocação do segredo sacramental, estando por isso a utilizar o seu segredo de confissão não só para proteger o seu penitente mas também para se auto-proteger a ele.
Na minha opinião acho que o segredo de confissão dos padres tal como todos os outros tipos de sigilo devem ser protegidas, mas como em todos os outros acho também neste caso deve haver excepções. No meu entender casos que envolvem crianças e possíveis maus-tratos devem ser considerados excepções pois ao evocar o segredo sacramental e não falar o padre poderá estar a proteger a parte culpada em detrimento da inocente.
Por exemplo, é justo que um padre saiba por segredo de confissão que uma pessoa violenta uma criança e não possa fazer nada para salvaguardar a integridade da criança, nomeadamente denunciando o agressor? Para mim esta é uma situação muito injusta, se a igreja defende o bem, com é possível que defenda o segredo sacramental em situações de maldade (maus-tratos físicos, psicológicos e sexuais) e ainda por cima com crianças? O mal é que alguns destes crimes que atentam contra a integridade da criança são também praticados por religiosos, como padres e freiras