sexta-feira, janeiro 19, 2007

Sida e sigilo médico

O médico que sabe que um seropositivo mantém relações sexuais com o parceiro sem o avisar pode quebrar o segredo.

Por ocasião do dia de luta contra a sida, em 1 de Dezembro, a Comunicação Social voltou a colocar duas questões bem conhecidas: incorre em responsabilidade penal quem, sabendo-se portador do vírus, contagia outra pessoa, mantendo com ela relações sexuais sem usar preservativo? E o médico que está a par da situação pode ou deve quebrar o segredo profissional e revelar à potencial vítima – com frequência, o cônjuge – o risco que corre?

A resposta à primeira pergunta parece óbvia. O Código Penal tipifica um crime de propagação de doença contagiosa que é punível, nos casos mais graves, com prisão até oito anos (quando o agente cria dolosamente perigo para a vida ou saúde de outrem) e compreende até condutas negligentes.

Quem, sabendo-se portador do vírus da sida, mantiver relações sexuais com outra pessoa e a infectar comete esse crime. A maior dificuldade residirá em provar judicialmente que foi o arguido o causador do contágio.

A segunda pergunta é, sem dúvida, mais complexa. Todavia, o médico que se apercebe de que um seropositivo mantém relações sexuais com o parceiro sem o avisar pode quebrar o segredo.

A violação do segredo profissional, que constitui crime punível com prisão até um ano, é justificada, em tais circunstâncias, quer por legítima defesa alheia quer por direito de necessidade. O doente infectado estará a praticar uma agressão ilícita e actual e a vida e a saúde constituem interesses manifestamente superiores aos que são protegidos pelo segredo

Esta resposta gera, porém, uma dificuldade suplementar. Podendo quebrar o segredo, o médico é obrigado a fazê-lo? Em princípio, a resposta é negativa. A nossa lei só consagra o dever de comunicar o diagnóstico da sida para efeitos estatísticos. Assim, a quebra do segredo só pode ser ordenada, em processo penal, por um tribunal (em regra, a Relação), depois de ouvir a Ordem dos Médicos.

Ninguém é obrigado a actuar em legítima defesa alheia ou ao abrigo do direito de necessidade. O médico que optar pelo silêncio apenas é passível de censura moral. É na solidão da sua consciência que ele pondera os interesses em conflito e decide sacrificar ou não o dever de sigilo

Mas há uma situação que merece tratamento diferenciado. Imagine-se que o médico presta assistência não só ao portador do vírus mas também à pessoa que corre o risco de ser infectada. Nessa hipótese, o médico tem o dever de evitar a doença e a morte do seu paciente. Por isso, está obrigado a preveni-lo do perigo de contágio. Se o não fizer, pode vir a ser responsabilizado por um crime de omissão – contra a integridade física ou a própria vida.

Fonte: Correio da manhã, 10 de Dezembro de 2006, Rui Pereira, Professor de Direito e presidente do OSCOT

Comentário:

Depois de ter analisado esta notícia, não cheguei a uma conclusão muito concreta uma vez que este caso é bastante complexo. Vou dar a minha opinião segundo os meus valores pessoais. Andei a pesquisar na Internet artigos que relacionassem a SIDA e o sigilo profissional, no site do direitos humanos encontrei este que diz que ” O sigilo profissional deve ser rigorosamente respeitado em relação aos pacientes portadores do vírus da SIDA (AIDS), salvo nos casos determinados por lei, por justa causa ou por autorização expressa do paciente”. Tudo o que encontrei vai de encontro á ideia que os médicos não podem quebrar o sigilo em relação aos portadores do vírus da sida, mas a pergunta que o Professor de Direito e presidente do OSCOT deixa no ar é bastante interessante, “o médico que está a par da situação pode ou deve quebrar o segredo profissional e revelar à potencial vítima, o risco que corre?”. Isto leva-me a pensar o que é que será mais importante, a vida de um ser humano ou sigilo profissional? A resposta é óbvia o ser humano é mais importante, mas se depois se os médicos quebrarem o sigilo quais irão ser as consequências? Isto deixa os médicos num beco sem saída, e eu compreendo como alguns se devem sentir.

Se os médicos não quebrarem o sigilo vão sentir-se bem profissionalmente porque respeitaram os códigos éticos da ordem dos médicos, então e moralmente vão sentir-se bem ao saberem que uma pessoa pode ser brevemente infectada com um vírus que não tem cura, pelo seu paciente? Eu não queria estar no lugar daqueles que se debatem com esta situação. Se calhar a opção mais ética e sem ter qualquer problema ao nível profissional e ao nível pessoal, será tentar persuadir o seu paciente a contar ao seu cônjuge que está infectado com um vírus que ainda não tem cura. Depois de pensar muito acerca disto é a única solução ética que encontro.

A ordem dos médicos é bem clara “o sigilo médico representa um importantíssimo direito do doente e uma obrigação ética e deontológica do médico”. Quem quebrar o sigilo irá violar os princípios éticos dos médicos e também irá violar o código penal, ou seja pode incorrer numa pena de prisão. Mas eu acho que devia existir uma excepção na nossa lei para casos especiais como este, uma vez que á outra pessoa e risco de contagio.

Como conclusão gostava de dizer a minha opinião se houvesse essa tal excepção na nossa lei. Então o médico devia seguir os seguintes passos:

Deve inclinar todos os seus esforços para rapidamente persuadir o seu doente a comunicar à sua mulher a seropositividade que apresenta e os riscos da sua transmissão. Se necessário, deverá mesmo explicar-lhe, normas éticas de respeito pela legitimidade e pela vida desses terceiros

Se, mesmo assim, não conseguir persuadir o seu doente, o médico deve informá-lo que irá cumprir a sua obrigação de comunicar à mulher a seropositividade do seu marido e os riscos da sua transmissão.

Esta comunicação é indispensável para que a mulher do doente possa fazer os testes de diagnóstico e iniciar tratamento, caso já tenha sido infectada.

Na maior parte dos casos a vergonha impede que muitos infectados sejam sinceros com os seus cônjuges, pois tem medo que este o deixe ao abandono em vez do ajudarem, infelizmente é a realidade da nossa sociedade.

Será que o sigilo é mais importante que a vida de um ser humano???

1 comentário:

Sonia Correia n.º 4378 disse...

O Código de Ética Médica vigente, em seu artigo 102, adverte que “é vedado ao médico revelar fato que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por justa causa, dever legal ou autorização expressa do paciente”.
Pode-se dizer que justa causa é o interesse de ordem moral ou social que autoriza o não cumprimento de uma norma, contanto que os motivos apresentados sejam relevantes para justificar tal violação. Fundamenta-se na existência de estado de necessidade.
Confunde-se seu conceito com a noção do bem e do útil social, quando capazes de legitimar um ato coativo. Está voltada aos interesses individuais ou coletivos e defendida por reais preocupações, nobres em si mesmas, e condizentes com as prerrogativas oriundas das conquistas de uma sociedade organizada. Enfim, é o ato cuja ocorrência torna lícita uma transgressão.
O universo da justa causa é muito amplo e por isso nem sempre é fácil estabelecer seus limites. Está muitas vezes nos fatos mais triviais da convivência humana, na decisão de quem exerce uma atividade especial ou no conflito das proletárias tragédias do dia a dia. É claro que não pode existir uma abertura excessiva em seu conceito senão ocorrerá a debilidade da ação coativa.
Há, enfim, uma multidão incalculável de situações e acontecimentos na vida profissional do médico que não está normatizada, desafiando até os mais experientes. Mesmo que o segredo médico pertença ao paciente como uma conquista sua e do conjunto da sociedade, há de se entender que essa reserva de informações é relativa, pois o que se protege não é uma vontade caprichosa e exclusivista de cada um isoladamente, mas a tutela do bem comum, os interesses de ordem pública e a harmonia social. E o que se proíbe é a revelação ilegal que tenha como motivação a má-fé, a leviandade ou o baixo interesse.
Por outro lado, entende-se por dever legal a quebra do sigilo por obediência ao que está regulado em lei, e o seu não cumprimento constitui crime. No que concerne ao segredo médico, pode-se dizer que poucas são as situações apontadas na norma, como por exemplo a notificação compulsória de doenças transmissíveis, tal qual está disciplinada na Lei n.º 6.259, de 30 de outubro de 1975 e no Decreto n.º 49.974-A, de 21 de janeiro de 1961.
Não há como confundir justa causa com dever legal. São duas coisas distintas. Não podem ser rotuladas como sinônimos. Só é dever legal aquilo que está claramente definido na lei. O Código de Ética Médica não poderia ser redundante. É perfeitamente concebível que num corpo de normas não poderiam caber todas as situações possíveis e imagináveis do segredo médico, até porque a lei tende a ser genérica e refratária ao casuísmo.
Finalmente, diz-se que não há infração por quebra do sigilo médico quando isso se verifica a pedido do paciente maior e capaz, ou, caso contrário, de seus representantes legais. Ainda assim, recomendamos que essa ruptura do segredo seja precedida de explicações detalhadas, em linguagem acessível, sobre sua doença e sobre as conseqüências dessa revelação. Isso porque, em certas ocasiões, tal declaração pode trazer ao paciente prejuízo aos seus próprios interesses. Muitos aconselham até que esse pedido do paciente, quando da revelação do segredo, seja por escrito, por livre manifestação e mediante um consentimento esclarecido. De qualquer forma, nos atestados ou relatórios, deve constar sempre que a revelação das condições do paciente ou do seu diagnóstico foi a pedido dele ou de seus responsáveis legais.
aluna:Sonia correia n.º 4378