quinta-feira, janeiro 18, 2007

Caso de Odemira "não é único" no País

A Associação Portuguesa de Medicina de Emergência (APME) diz que a morte de António Oliveira, que sofreu um acidente em Odemira e só chegou ao hospital seis horas depois, "não é caso único". "A única diferença é ter sido noticiado", denuncia o presidente, Vítor Almeida, acrescentando que a APME está a fazer a compilação destas situações e vai entregá-la à Ordem dos Médicos para que esta "analise as boas práticas".Apesar de o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) garantir que não houve erros neste processo, Vítor Almeida já analisou o caso à lupa e não tem as mesmas certezas. "Pode ter havido falhas em várias etapas."As dúvidas começam logo no momento em que António, de 54 anos, é atropelado. "De acordo com o protocolo, num atropelamento deve sempre ser chamada uma viatura médica", o que não aconteceu. Mesmo se as informações iniciais fossem insuficientes, quando a ambulância do INEM dos Bombeiros Voluntários de Odemira chega ao local, "o Centro de Orientação de Doentes Urgentes [CODU] tem que pedir dados à tripulação para que o INEM possa avaliar se é necessário reforço". O que, mais uma vez, não se verificou, de acordo com as informações do próprio INEM. O doente é transportado para o Serviço de Atendimento Permanente (SAP) de Odemira e, de acordo com este especialista, o CODU devia ter acompanhado o caso de perto. "Por isso é que se chama Centro de Orientação, é para orientar." Até porque "um SAP é sempre transitório, deve assegurar os parâmetros vitais até que cheguem reforços". E questiona o facto de não ter sido paralelamente accionada uma Viatura Médica de Emergência e Reanimação (VMER). Ou o próprio helicóptero, já que era um politraumatizado. "Havia dois meios para activar, de forma a encurtar o transporte para um hospital". De acordo com as informações do INEM, isto não foi feito e a VMER só parte de Beja quando os médicos do SAP a chamam. "Os meios não podem ser retidos pela possibilidade de haver uma catástrofe quando há um caso concreto a acontecer", refere. E acrescenta que 100% acertada parece ser apenas a decisão dos médicos da VMER de levar o doente para uma unidade de neurocirurgia. O que acontece quatro horas depois do acidente. O médico refere ainda que não percebe por que razão o INEM refere que o helicóptero demora uma hora a levantar voo. "De dia, isto faz-se em 10, 15 minutos no máximo."
São demasiadas dúvidas, afirma este especialista, considerando que é essencial que o ministro da Saúde, Correia de Campos, abra "um inquérito muito sério". Também os dois deputados do PS eleitos por Beja pediram ontem uma "avaliação cuidadosa e exaustiva". Contudo, o titular da pasta está ainda a averiguar se há motivos para uma investigação. O que será decidido depois de reunir com os responsáveis pelas entidades envolvidas. Ao contrário do que o DN noticiou, a reunião acabou por não se realizar ontem e deverá acontecer esta semana.

Fonte: http://dn.sapo.pt/2007/01/17/sociedades/casp_odemira_nao_e_unico_pais.html

Comentário:

A notícia da jornalista Rute Araújo, não única no território nacional, que demonstra a deficiência que existe no nosso país no que respeita a saúde de todos os portugueses. Os médicos obedecem, ou pelo menos deveriam obedecer ao seu código de deontologia profissional, obrigando-se desta forma a tratar dos pacientes que tenham sobre o seu encargo, mas sabemos de antemão o estado dos meios em que estes são transportados e os próprios hospitais que não se encontram nas melhores condições. Assim revela a notícia publicada, que refere que existiram várias falhas nas diferentes etapas dos cuidados do indivíduo, depois do acidente. Em primeiro lugar, surge a problemática de que não foi realizada a chamada de uma viatura médica, exigida no caso de atropelamento. Agora é necessário perceber os motivos porque não foi efectuada a chamada que era tão importante. Os responsáveis dos hospitais alertam, nos próprios hospitais, em anúncios publicitários e em outras fontes, todos os utentes para a importância que tem 2 minutos de atraso, até criam slogans “Dois minutos podem fazer a diferença”. Neste caso, a nossa vítima foi socorrida pela ambulância do INEM dos bombeiros voluntários de Odemira que por sua vez não avaliaram de imediato a situação do paciente, para depois poder tomar as medidas correctas! Isto só evidencia negligência por parte dos socorristas, por estes terem avaliado mal as condições da pessoa em questão, ou mais grave ainda, a falta de um avaliação específica da sua situação, comprometendo assim as condições profissionais médicas de quem prestou um serviço deficiente, e devido a isto, roubou a vida de mais uma pessoa. As controvérsias entre a CODU (Centro de Orientação de Doentes Urgentes) e do SAP (Serviço de Atendimento Permanente), levam a que os portugueses se sintam inseguros perante os meios médicos, no caso de haver uma fatalidade como a que aconteceu ao Sr. António. A atribuição de culpa que está aqui referida nestas duas entidades, não vai trazer de volta uma vida, é necessário criar meios que respondam às necessidades da população, assim como profissionais aptos para momentos críticos. É no art. 90º do código deontológico, no âmbito do serviço à comunidade, que estipula a responsabilidade de qualquer médico prestar colaboração e apoio as entidades prestadoras de cuidados de saúde, oficiais ou não. Através deste artigo, podemos concluir que não existiu competência entre as entidades e colocaram uma vida em risco, o que é grave no exercício da medicina, isto de acordo com o artigo 95º do mesmo código. As pessoas que socorreram tem de possuir conhecimento e qualidade na missão de poder prestar um serviço eficaz num acidente como descreve a noticia.
Para além destas incompatibilidades existentes entre as entidades mencionadas, ainda se questiona o porquê de não ter sido accionada uma VMER (Viatura Médica de Emergência e Reanimação), ou até mesmo um helicóptero já que o caso era de um indivíduo politraumatizado. Com as declarações do INEM, no esforço de retirar as responsabilidades de cima, são incoerentes com os comportamentos menos éticos dos mesmos. Assim sendo, um médico que aceite o encargo ou tenha de atender um doente, obriga-se por este facto à prestação dos melhores cuidados ao seu alcance, agindo com correcção e delicadeza, no intuito de promover ou restituir a saúde, respeitando a dignidade do ser humano. Visto isto, segundo o art. 26º, tal não aconteceu nesta situação, em vez disso, discute-se de quem é a culpa de não ter agido conforme os regulamentos. Este facto é importante, mas enquanto não se estabelece um reconhecimento da culpa, pessoas estão a ser vitimas destas questões que abalam cada vez mais a vida de todos nós.
Ainda na notícia é referido que o Sr. António foi levado para uma unidade de neurologia 4 horas após o acidente. Se analisarmos o conteúdo destes aspectos, pergunto-me o que querem dizer os responsáveis de saúde do nosso país, quando dizem que dois minutos podem fazer a diferença. Existe aqui também uma questão pertinente que nos mostra a jornalista Rute Araújo, dita pelo médico e relativamente ao helicóptero, será que é necessário tanto tempo para levantar voo na assistência de um politaumatizado? Será que o meio de transporte estava disponível? São estas as questões que deveriam ser averiguadas pelas entidades próprias e fazer algo em prol da saúde dos portugueses. Existe ainda uma questão, uma frase que deixa em aberto toda uma analise pessimista, ou seja, “… o titular da pasta está ainda a averiguar se há motivos para uma investigação…” Será que é necessário assistir ainda mais a comportamentos pouco éticos e que violam os códigos deontológicos da profissão de médicos? Será necessário colocar mais vidas portuguesas em risco, face a incompetência dos ditos profissionais? Quantas mais vidas serão roubadas por estes comportamentos? Termino assim, com uma grande insatisfação pessoal pelos meios pouco competentes que temos no nosso país e que cada vez mais, fracassam no dia a dia do nosso país.



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1 comentário:

célia gato, n.º 4480 disse...

Com este caso ainda fresco na memória de todos, a comunicação social relata hoje a segunda vítima mortal no espaço de duas semanas em Odemira. Desta vez, a vítima foi Fernando Santos, de 56 anos, que morreu ontem (dia 20 Janeiro) no centro de saúde de Odemira na sequência de um enfarte de miocárdio agudo. A dúvida persiste se esta morte não poderia ter sido evitada, uma vez que o helicóptero do INEM chegou quatro horas depois de ter sido pedido socorro, quando a vítima já estava em falência cardíaca. Entretanto, o doente tinha sido encaminhado para um Serviço de Atendimento Permanente (SAP), onde não havia médicos suficientes para o acompanhar no transporte a um hospital, ficou à espera de uma viatura de emergência vinda de Beja, que fica a 100 km , e depois, dos meios aéreos de Lisboa.

Esta morte vem juntar-se à de António Oliveira de que fala esta notícia, depois deste ter falecido no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, onde chegou seis horas depois de ter sofrido um acidente em Odemira. O mais revoltante destas notícias é que estas mortes aconteceram pela enorme falta de recursos de saúde no Alentejo, ainda por cima em Odemira, o maior concelho do país. Num país da Europa, é triste que as pessoas tenham que pagar com as suas vidas pela falta de recursos.

Apesar de o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) garantir que não houve erros neste processo, Vítor Almeida, Presidente da Associação Portuguesa de Medicina de Emergência (APME) já analisou o caso à lupa e não tem as mesmas certezas. "Pode ter havido falhas em várias etapas." A polémica começa logo pelo facto de não ter sido chamada a viatura médica, uma vez que se tratava de um atropelamento e o protocolo assim o obriga. Entretanto são chamados os Bombeiros que encaminham o doente para o SAP. Só mais tarde, este serviço solicita a Viatura Médica de Emergência e Reanimação, e são estes médicos que decidem transferir o doente de helicóptero para Lisboa. Com tudo isto já se tinham passado seis horas. O final desta história acaba com a morte do doente passados quatro dias.

A dúvida fica no ar: será todos os profissionais de saúde envolvidos neste caso terão actuado de acordo com a ética profissional? Vítor Almeida, acrescenta que a APME está a fazer a compilação destas situações e vai entregá-la à Ordem dos Médicos para que esta "analise as boas práticas".

Acho importante que se averigúe e se apurem responsabilidades, embora para mim esta não seja a questão central. O que mais me inquieta é a falta de meios e a falta de atitude por parte dos governantes do nosso país. Esta situação só se passa porque Odemira não tem interesse para os políticos. Neste concelho, grande parte da população é idosa e não é aliciante em termos de votos. A haver falta de ética nesta matéria, é por parte dos governantes que deixam arrastar este situação há anos. Entretanto, quem menos culpa tem vai pagando com a vida. É inadmissível!

Como é possível que para todo o Alentejo só exista um carro do INEM estacionado em Beja? Além de se questionar as boas práticas também seria bom questionar o que é possível fazer com os meios à disposição. Em Odemira verifica-se a quase total ausência de meios materiais e humanos na área da saúde. Não há meios de emergência médica, não há médicos, não há equipamentos, não há especialistas, não há nada! Os hospitais mais próximos são os de Beja e Setúbal, que ficam a 100 e 150 km. Morre-se em Odemira por falta de assistência na estrada ou nas praias mas também se morre porque uma consulta de especialidade em Beja pode nunca acontecer ou já muito tarde. É isso que costuma acontecer aos mais idosos em Odemira, assistidos em Beja e mandados para casa morrer.

Este caso toca-me particularmente, primeiro porque sou alentejana e segundo porque conheço o concelho e sei as dificuldades que das pessoas que lá vivem. Já não bastava termos um sistema de saúde que diferencia ricos e pobres, é intolerável que o preço a pagar por viver no interior seja tão alto.

Como escreveu o jornalista do Diário de Notícias, Eduardo Dâmaso “Viver em Odemira é muito difícil mas morrer é escandalosamente fácil” Não poderia estar mais de acordo com esta frase.