De que se trata? A clonagem não-reprodutiva com finalidade terapêutica começa, tal como a clonagem reprodutiva, pela transferência do núcleo de uma célula somática (isto é, não sexual) de um adulto para um ovócito (ou óvulo) a que previamente se havia extraído o seu núcleo. Se esse ovócito transnucleado entrar em divisão celular e originar um “embrião”, este, em vez de ser transferido para o útero de uma mulher (como na clonagem reprodutiva), será desenvolvido in vitro até à fase de blastocisto com cerca de centena e meia de células, para se extrairem então, do seu interior, umas células especiais chamadas estaminais (stem cells). Estas são ainda suficientemente indiferenciadas. Em determinados meios podem multiplicar-se in vitro indefinidamente, mantendo a sua indiferenciação. Mas, cultivadas noutros meios, podem diferenciar-se in vitro de modo a produzirem, à imitação do que sucede in vivo, os vários tecidos do adulto (tecido nervoso, muscular, cartilagíneo, ósseo, etc.) que são então transplantados para o dador do núcleo com a esperança de o curar de doenças como Alzheimer, Parkinson, imunodeficiências primárias, afecções de ossos ou cartilagens, paraplegias, cancro e muitas outras. Nestas transplantações não haverá o problema de imuno-rejeição, visto haver identidade genética entre os tecidos do dador e os do receptor. Dificuldades. São várias. Em primeiro lugar, para obter um “embrião” por este método, são necessárias centenas de tentativas fracassadas, o que exige que muitas mulheres estejam na disposição de fornecerem ingloriamente os seus ovócitos, com o perigo de que se caminhe para o sacrifício injusto da mulher ou para a tão condenada comercialização de gâmetas femininos. Em segundo lugar, os clones de mamíferos até agora obtidos (ovelha Dolly e muitos outros) sofrem de várias doenças e malformações. É de supor que as mesmas deficiências afectem os tecidos obtidos pela clonagem não-reprodutiva, que poderão ter efeitos negativos no paciente. Finalmente, até o próprio “pai” da ovelha Dolly, Ian Wilmut, acha que a técnica de clonagem não-reprodutiva é demasiado complexa e dispendiosa para se aplicar a cada paciente. Será mais viável partir das células estaminais dos muitos embriões que sobram de técnicas de reprodução assistida. Só que, nesse caso, não haverá identidade genética entre essas células e as do paciente, e será preciso ultrapassar o problema da imuno-rejeição. Perplexidades éticas. Trata-se de, para benefício próprio, interromper e desviar um processo embrionário que poderia dar origem a um ser humano como eu. Sacrifico uma vida humana em embrião, para a transformar num stock de tecidos meus, sobresselentes, que me curem a mim. Soa-me a atroz egoísmo e quase neo-escravatura. Mas mesmo entre os autores que não subscrevem esta objecção, muitos se mostram preocupados com a transformação do estatuto da vida humana incoativa em algo semelhante a uma fábrica de produtos úteis. E essa preocupação aumenta ao constatarem-se as pressões comerciais que impulsionam a investigação em embriões humanos. Pode caminhar-se para a erosão do respeito pela dignidade intrínseca da vida humana. Melhor alternativa. As células estaminais não existem apenas nos embriões. Encontram-se também, ainda que em menor número, em órgãos do adulto. Há claras indicações de que elas se podem diferenciar in vitro em tecidos vários, diferentes daquele de que são originárias. Esta é uma alternativa válida, contra a qual não há objecções éticas, e em que o paciente é tratado com tecidos obtidos a partir das suas próprias células estaminais, evitando-se assim os problemas de imuno-rejeição. É possível que não seja economicamente tão rentável como a utilização de embriões, e por isso seja preterida, já que o poder económico domina hoje o progresso da ciência.
Luís Archer - Biólogo
Noticia:
http://www.agencia.ecclesia.pt/noticia.asp?noticiaid=339
Comentário:
Escolhi esta notícia, pois no meu entender este tema será um dos temas mais importantes com que nos vamos deparar nos próximos tempos no domínio da bioética. Tanto na reprodução assistida como na terapia genética de plantas ou animais. É um tema que devido á sua complexidade, constitui um bom exemplo das dificuldades em articular o progresso cientifico com o respeito pela vida, o que só por si é gerador de preocupações sociais, mesmo que nele exista uma grande fundamentação ética.
Acho que a manipulação genética, que embora já muito utilizada tanto na produção de vacinas como na produção de transgénicos, não será muito fácil de aplicar no que toca á utilização em humanos. Primeiro porque suponho não ser um processo totalmente controlado pela comunidade científica, como também este tema carece de uma profunda reflexão ética sobre o que deve ou não ser feito. Se o homem tem a capacidade de manipular a vida a sua constituição, formação e daí obter bons dividendos de comercialização de produtos daí derivados, creio que é imprescindível um bom debate sobre as questões éticas e os aspectos económicos, pois é sabido que grande parte destas investigações são suportadas financeiramente pela industria farmacêutica.
No caso da clonagem, as questões éticas que mais se levantam julgo serem as relacionadas com a sua aplicação na espécie humana. Algumas perguntas acabarão por surgir: o que fazer com os embriões? como serão eles usados? com que fundamento moral se podem produzir seres para servirem de material genético para outros seres? como reservatórios de órgãos para posterior utilização ou para dar início ao que pode ser a perda da identidade do ser humano. Aguardemos.
Assim julgo que estamos perante uma decisão ética que é: o que se deve fazer? Aquilo que é tecnicamente possível pode ser admissível? a questão da clonagem humana não pode ser reduzida apenas a um problema técnico. Está em jogo não apenas a vida de um novo ser, mas a sua própria dignidade enquanto pessoa. Ao clonar-se as células de um ser humano, destrói-se a própria identidade do novo ser. Deixamos de ter indivíduos, e como tais únicos e irrepetíveis, para termos múltiplos sem dignidade própria certamente são questões que tocam a todos e requerem ampla reflexão.
Julgo que talvez tenhamos que abrir mão de alguns princípios e valores éticos em nome do progresso científico. Acho legitimo que se procurem soluções para os males com que a humanidade se depara, nomeadamente na cura de doenças e os cientistas devem empenhar-se nessa busca. Acredito que se poderá dar uso a embriões não utilizados obtidos e descartados em clínicas de fertilidade, que julgo ser uma maneira mais ética de lidar com a situação. Ainda assim, este método pode gerar a criação de mercados negros de óvulos com todos os males que lhes tão associados. Também a recolha de material genético é obtido de forma a que se possa estar no início de uma nova forma de exploração da mulher e certamente, a mulher terá aí um papel importante a desempenhar. A clonagem para fins terapêuticos, possui grande potencial se for visto dentro de uma perspectiva científica, mas deve ser utilizada com ética e bom senso, que julgo passará pela implantação de bons métodos de vigilância e de legislação adequada. Acima de tudo, importa tratar o assunto com responsabilidade e com as cautelas que se impõe. Pois penso que neste tema todos nós não temos respostas mas apenas duvidas.
2 comentários:
Em primeiro lugar não nos devemos esquecer que a opinião da nossa sociedade actual está, no momento, dividida principalmente devido à questão do aborto. Isto porque à questão da clonagem humana terapêutica está inerente a questão do aborto.
Se para muitos, o embrião, mesmo com algumas horas de existência, já é um ser humano, a partir desse fundamento, as pesquisas que envolvam o sacrifício de embriões humanos, denominadas de clonagem terapêutica, são inaceitáveis pois desvirtuam o próprio sentido da investigação científica.
Para outros, é importante estabelecer uma distinção entre clonagem reprodutiva humana e terapêutica.
Utilizar essa técnica para produzir um ser humano completo é eticamente inaceitável.
Além disso, os resultados apresentados até este momento carecem de eficiência e não há conhecimento científico suficiente para evitar que embriões clonados sejam portadores de anomalias e malformações.
E, mesmo que um dia a técnica da clonagem humana venha a ser dominada, a possibilidade de produzir óvulos e espermatozóides em laboratório - uma das tendências das pesquisas em curso nos principais centros mundiais de reprodução humana - poderá torná-la desnecessária.
A vertente terapêutica da clonagem envolve outras questões uma vez que está ligada à possibilidade de se liberalizar pesquisas com células-tronco que, futuramente, poderão abrir caminhos para o tratamento de doenças como Alzheimer, Parkinson, cancro e diabetes, entre muitos outros.
As células - tronco são retiradas da medula óssea ou do sangue periférico do cordão umbilical de doadores ou do próprio paciente.
Preferencialmente, o doador deve ser compatível com o receptor.
A dificuldade de se encontrar pessoas compatíveis e, mais ainda, de encontrar doadores dispostos a saírem de casa por livre e espontânea vontade causa um problema gravíssimo: muitos pacientes passam anos na fila, à espera de um transplante.
Não nos devemos esquecer nunca que existem limites éticos para a pesquisa científica e admite-se que é legítimo tentar encontrar as soluções para os males que comprometem a humanidade, e os cientistas devem se empenhar nessa procura, mas não se admite, que tudo se justifica para se atingir a maior felicidade do maior número de pessoas.
O Código de Nuremberg (1947) estabeleceu internacionalmente o princípio ético que não se deve realizar experiências que envolvam seres humanos cuja avaliação de riscos e benefícios não estejam suficientemente comprovadas e mensuradas em pesquisas pré-clínicas.
Este código baseia-se na afirmação kantiana sobre a dignidade humana: o ser humano não deve ser utilizado como um meio para atingir outro objectivo que não a sua própria humanidade.
Em todo o mundo, as discussões sobre a clonagem de embriões para fins terapêuticos continuam e as posições não são convergentes.
Na Inglaterra, um dos países mais conservadores moralmente, a Câmara dos Lordes adoptou um caminho oposto ao dos Estados Unidos, aprovando o direito dos cientistas do Reino Unido produzirem embriões humanos para experiências científicas.
A grande discussão subjacente à criação de embriões com a finalidade de extrair células-tronco para a criação de tecidos e órgãos é filosófica, moral e ética, diz respeito ao momento em que a vida se inicia.
Cada vez mais, a comunidade científica tende a considerar que o embrião não é vida. Um dos ramos entende que a vida só começa a partir do desenvolvimento da parte neural do embrião, por volta do 14o dia. Outra linha, aceita que o embrião passa a ter vida somente após a nidação, quando se fixa na parede do útero, por volta do terceiro ou quarto dia após sua formação.
Na realidade o maior problema ético actual é o enorme risco biológico associado à clonagem reprodutiva.
No meu entender, seria a mesma coisa que discutir os prós e os contras em relação à liberalização de uma medicação nova, cujos efeitos são devastadores e ainda totalmente incontroláveis.
É extremamente importante que as pessoas entendam a diferença entre clonagem humana, clonagem terapêutica e terapia celular com células-tronco embrionárias ou não.
Posso citar, por exemplo, estes três problemas que envolvem aspectos éticos: um em relação aos possíveis abusos da técnica, como o seu uso para fins de discriminação, outro em relação à proibição legal que existe ou pode existir independentemente da avaliação ética que se tenha do assunto (e quanto a isso valeria lembrar que o tipo de lei que deverá ser adoptada colectivamente dependerá em grande parte do argumento ético); e por último, o questionamento acerca das prioridades dos gastos com pesquisa médica e
reprodutiva, ou seja, qual a necessidade e importância da clonagem terapêutica e reprodutiva se comparada com outras necessidades?
A condenação por princípio da clonagem humana parece depender da
aplicação de alguns princípios gerais, normalmente utilizados na ética médica e na ética em pesquisa, como o princípio do respeito pela dignidade da pessoa humana e a recusa da sua instrumentalização, tanto para os casos terapêuticos como reprodutivos.
A dificuldade com a condenação da clonagem terapêutica reside em
equiparar o embrião humano ao ser humano desenvolvido, ou seja, em pensar no aglomerado de células embrionárias como uma pessoa, especialmente se o embrião for uma cópia genética da própria pessoa.
Não faz sentido conceder aos embriões o mesmo conjunto de direitos que se concede a uma pessoa. O embrião, em todos os estágios de uma pesquisa científica, não possuirá nenhuma característica anatómica de um ser humano, principalmente cérebro e sistema nervoso; nem as características de uma pessoa, especialmente a pessoalidade.
Assim, muito provavelmente, não há nenhum prejuízo envolvido para o embrião utilizado em pesquisas: não há dor, não há consciência, não há preferências. Se há um valor no embrião, ele depende do interesse e do consentimento dos seus pais, ou da probabilidade de ele se vir a tornar, no futuro, uma pessoa com problemas de saúde por causa da manipulação sofrida em experiências. Mas se há o consentimento dos pais, e se não há implantação para gestação, não há problemas éticos na pesquisa com embriões.
Filipa Duarte nº 4269
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