domingo, janeiro 14, 2007

Johannesburg, 12/6/2006 (PLUSNEWS) - Um patologista sul-africano foi denunciado ao Conselho de Profissionais da Saúde (HPCSA, sigla em inglês), agência nacional que superintende a área, por ter mencionado a Sida como causa da morte numa certidão de óbito. É o primeiro caso do género no país.
Greer Van Zyl, porta-voz do HPCSA, confirmou que um parente próximo da jovem que faleceu, em Abril de 2005, queixou contra o patologista do Instituto de Medicina Legal, Dr. Leon Wagner, mas disse que por enquanto somente a queixa formal tinha sido depositada e que a audiência para analisar o problema tinha sido adiada.
"A família acusou Wagner de conduta não-profissional e também de quebra de confidencialidade depois de aparentemente ter indicado a Sida como causa da morte sem provas suficientes e sem examinar o corpo. Por causa da sua complexidade, o caso foi transferido ao nosso Comité de Ética e Direitos Humanos", disse Van Zyl ao PlusNews.
Na África do Sul, os certificados médicos entregues à família no caso de morte atribuem a causa a doenças como a tuberculose ou pneumonia, sem mencionar a Sida, mesmo que tenha sido um factor contribuinte, para proteger a confidencialidade sobre o estado do falecido, e a família, do estigma.
"O comité disciplinar do HPCSA rejeitou objecções às acusações contra Wagner, que se mantêm, e a audiência será retomada em data a decidir de comum acordo entre o queixoso e o acusado", diz Van Zyl.
Caso sensível
Fatima Hassan, do Projecto de Lei sobre a Sida (ALP, sigla em inglês), organização não-governamental que presta assistência jurídica, concorda que se trata de um caso sensível, mas acredita que o HPCSA vai tratá-lo com a devida atenção.
Este caso provocou um debate sobre até que ponto as famílias devem cobrir a verdadeira causa da morte de seus parentes HIV+.
O partido da oposição Aliança Democrática (DA) enfatiza que ainda existe um grande estigma em relação à Sida e às famílias de pessoas seropositivas, embora estime-se que 5.5 milhões dos 45 milhões de sul-africanos vivam com a doença.Segundo o porta-voz da DA, Gareth Morgan, "as políticas actuais, que protegem a confidencialidade dos pacientes a qualquer custo, podem prejudicar a campanha nacional de sensibilização sobre a Sida."
"Se a Sida fosse mencionada como causa da morte no certificado poderíamos, se calhar, controlar melhor a pandemia, assim como erradicar o estigma existente e a negação contínua no seio das famílias dos pacientes e do governo", disse.A posição da África do Sul em relação à pandemia já provocou muitas críticas a nível internacional, geralmente por causa da campanha da Ministra da Saúde Manto, Dra. Manto Tshabalala-Msimang, a favor dos remédios naturais ao invés dos antiretrovirais e do ritmo lento da expansão do programa de tratamento antiretroviral do governo.
A primeira página do certificado de óbito, que era entregue à família, só indicava se a pessoa tinha morrido de causa natural ou não; a segunda página continha mais detalhes, tais como se o HIV/Sida ou um outro factor contribuíra para a morte e era usada para fins estatísticos.
Hassan não acredita que haveria uma melhora nos relatórios estatísticos sobre a Sida se os médicos mencionassem a doença como causa da morte nas duas páginas."Actualmente, os médicos já têm que entregar dois certificados: um à família e outro ao governo".

Comentário:

Como se sabe, a Sida é uma doença que trouxe consigo um conjunto de novos factos morais pelas suas características epidemiológicas, clínicas e sociais.

Analisando a notícia, a questão que aqui é colocada refere-se à quebra ou não de confidencialidade por parte do médico e à adopção ou não de uma conduta não profissional por parte do mesmo.

A confidencialidade é considerada como sendo o dever de resguardar todas as informações que dizem respeito a uma pessoa, isto é, a sua privacidade. A confidencialidade é o dever que inclui a preservação das informações privadas e íntimas.

O caso como a própria notícia referencia é bastante sensível. Até que ponto a confidencialidade se deve perpetuar e o médico deve manter-se fiel a este princípio após a morte do utente? A própria questão de confidencialidade em vida, no caso de pacientes infectados com HIV, é bastante melindrosa. A Sida trouxe consigo um desafio ao princípio da confidencialidade, na medida em que um valor mais alto, a vida das pessoas que têm contacto directo com o paciente surge à baila.

As questões que se colocam são as seguintes: Após a morte do paciente, já que a noticia é a isso que se refere, deverá o médico omitir na certidão de óbito que a Sida foi um factor que contribuiu para a morte do utente? Será que a vontade do doente e da família deve ser em qualquer situação salvaguardada? Será que o risco de descriminação social que o paciente e a sua respectiva família poderão eventualmente vir a sofrer deverá falar mais alto?

É sabido que o carácter letal do vírus carrega um simbolismo muito negativo, promovendo um receio quase generalizado na população. As pessoas infectadas e suas famílias acabam por sofrer uma certa marginalização, o que leva a uma grande relutância em se identificarem como portadoras do vírus. Se nos países ocidentais parece haver uma tendência para a diminuição da estigmatização da doença, nos países africanos o estigma é ainda demasiado grande. Este estigma faz com que na África do Sul, como a notícia referencia, os certificados médicos entregues à família no caso de morte, atribuam a causa a outras doenças, sem referir a Sida mesmo que tenha sido um factor que tenha contribuído.

Há uma questão que se me coloca: Será que ao omitirmos os factos, ao omitirmos os casos particulares de conhecidos, vizinhos, amigos, familiares, não estaremos a perpetuar o estigma e a fazer com que as pessoas não tenham uma verdadeira noção da dimensão do problema? Será que independentemente da dimensão quantitativa que é divulgada, o acréscimo da dimensão qualitativa não teria um maior impacto na sensibilização para esta problemática?

Por uma questão de saúde pública, seria positiva a identificação de todos os indivíduos infectados, uma vez que possibilitaria, num plano teórico, o seu próprio conhecimento da problemática, podendo os próprios tomar as medidas possíveis para retardar o aparecimento da doença, bem como para evitar o contágio a terceiros.

A aceitação da doença e o dar “rostos” às vitimas poderia ser uma boa forma de quebrar com os estigmas, com o preconceito e com a ignorância que ainda rodeiam esta doença. Contudo, o custo a nível individual talvez seja demasiado elevado. Até que ponto temos o direito de ir contra a vontade do paciente, sobretudo quando sabemos a marginalização a que estas pessoas são sujeitas. Coloquemo-nos no seu lugar e talvez nos apercebamos quão inglória deverá ser iniciar esta mudança de mentalidades à custa da nossa exposição.

A questão apresenta, assim, dois lados da moeda. Estes dois lados têm de ser muito bem analisados e com muito bom senso.

De acordo com a Resolução 1359/92 do Conselho Federal de Medicina do Brasil, as informações obtidas profissionalmente serão rigorosamente preservadas, mesmo após a morte do paciente, inclusive com relação à família. Perante tal, no caso do paciente ter pedido confidencialidade no caso enunciado, o médico terá violado esse princípio ao identificar a Sida como a causa da morte. Essa informação apenas deveria ter sido divulgada ao governo a fim de tratamento estatístico. O procedimento do médico está também errado se tomarmos como verdade a afirmação da família de que a causa da morte foi enunciada sem que o corpo tenha sido devidamente examinado.

Um aspecto importante a ressalvar é que a Sida por si só não é causa directa de morte, sendo que, ao enfraquecer o sistema imunitário torna-se um factor que contribui enormemente para a morte. Tal situação facilita a que nas certidões de óbito não tenha que aparecer necessariamente Sida mas outras causas como deficiência imunitária, pneumonia atípica ou outras sem estar necessariamente a falsear informação, garantindo assim o sigilo profissional e evitando submeter a família do paciente à marginalização.

O princípio de confidencialidade deve ser assim garantido, devendo-se apostar nas acções de sensibilização junto dos técnicos de saúde e da população, no sentido de romper com os estigmas e com a rotulagem que é feita em redor destes doentes e das suas famílias.

João Miranda nº 3941

1 comentário:

Luís Calado n.º4300 disse...

O vírus HIV positivo ou a Sida como vulgarmente é conhecida é um dos maiores problemas mundiais. Este vírus tem-se revelado como uma das principais causas de morte a nível mundial. Caracteriza-se por enfraquecer o sistema imunitário dos pacientes, fazendo com que estes estejam muito debilitados, contraindo outras doenças que acabam por fazer com que estes não aguentem, acabando por falecer.
A questão que se coloca nesta notícia é o facto de um médico ter colocado na certidão de óbito de um doente que a sua causa de morte foi a Sida. A família do doente que faleceu, acusa o médico de ter quebrado o silencio profissional, por este ter revelado na certidão de óbito do falecido que a causa da sua morte foi a Sida. A pergunta que se coloca, na minha opinião é qual é a diferença de o médico ter colocado Sida, Tuberculose, Pneumonia? Eu penso que o problema que se coloca tem haver com a discriminação que a sociedade faz das pessoas que sofrem desta patologia, fazendo com que os familiares tendam a esconder qual é a causa de morte, com medo que sejam excluídos pela sociedade.
Caso o patologista sul-africano tenha indicado como principal causa de morte a Sida, sem provas suficientes e sem examinar o corpo, este não esta a agir correctamente, violando o código deontológico dos médicos. Outra das questões que a família coloca é o facto de o médico ter quebrado a confidencialidade colocando no atestado de óbito, Sida como a causa da morte de Wagner.
Dos 24,5 milhões de sul-africanos, estima-se que 5,5 milhões estão infectados com o vírus da Sida. Esta doença afecta bastante o continente Africano, fazendo com que seja dos continentes mais fustigado com este vírus. No entanto, é importante referir que esta doença não diz apenas respeito aos países subdesenvolvidos, pois esta também diz respeito aos países desenvolvidos. Esta doença não é muito bem encarada pela sociedade, tendendo esta a discriminar as pessoas que sofrem deste vírus, talvez por esta estar muito associada à prostituição, droga, fazendo com que a sociedade não aceite muito bem este tipo de doença.
No entanto eu penso que a atitude que este médico tomou, em relação ao facto de ter colocado na certidão de óbito vem levantar algumas questões, nomeadamente no que respeita ao facto de este ter colocado Sida como a causa da morte de Wagner. Na minha opinião o facto de se esconder a doença da sociedade, não contribui nada para a resolução do problema, pois não vale a pena esconder um problema de dimensão mundial. No entanto, penso que a sociedade também não pode excluir um indivíduo que sofre desta patologia, pois para este já é bastante doloroso viver diariamente com uma doença que sabe que é incurável.
Penso que o médico não agiu de forma ética ao ter colocado Sida com principal causa de morte, no entanto penso que será importante que seja entregue às autoridades competentes estes dados como forma de estas poderem resolver e tomar medidas em relação a este problema que é muito grave. Outro dos problemas que se coloca é o facto de mesmo depois de falecer, os indivíduos não queiram revelar que são portadores deste vírus.
Esta é uma questão bastante sensível, contribuindo para isso bastantes factores, como é o caso da elevada taxa de mortalidade das pessoas que são portadoras do vírus.
Uma melhor identificação dos casos dos doentes que tem esta doença poderá ser essencial para ajudar no combate ao vírus do HIV, podendo as actuais medidas de protecção das pessoas que estão infectadas, em nada ajudar para as campanhas que pretendem sensibilizar sobre a Sida.
Tornando esses dados acessíveis a todos, estamos a exigir das pessoas que são portadoras deste vírus, esforços muito elevados, pois o facto de terem de lidar todos os dias com uma doença que sabem que é incurável, não é um sacrifício, bastante alto? Quanto mais pedir a estas pessoas que tornem o seu problema público? Na minha opinião tem de ser efectuados esforços de ambas as partes, a sociedade tem de encarar melhor uma realidade que é de dimensão mundial, ao invés de marginalizar as pessoas que são afectadas por a doença. Penso que quando a sociedade aceitar melhor estes doentes, eles irão ter menos problemas em assumir um problema que tem, no entanto penso que estes devem ter sempre direito à confidencialidade. Penso que a solução deverá passar por colocar num atestado para entregar às autoridades competentes para o tratamento desta patologia a verdadeira cause de morte, sendo que para fins públicos esta não deverá ser revelado, pelo menos enquanto a sociedade não aceitar melhor este problema.
Quanto ao médico em questão penso que violou claramente o sigilo profissional, pois este revelou informações sobre o seu paciente, o que não deveria ter feito, desrespeitando assim o código deontológico dos médicos.
No entanto, penso que algumas situações deverá ser facultada a informação, como é o caso das pessoas que se relacionam em termos profissionais com a pessoa infectada, pois poderá ser importante para que as pessoas possam ajudar a pessoa infectada sem que venham a correr algum risco.
Este é um tema bastante melindroso, que certamente ainda irá dar muito que falar, passando a solução por uma maior aceitação por parte da sociedade, fazendo com que tanto as pessoas infectadas como as suas famílias não sejam tão discriminadas pela sociedade.
Em relação aos médicos, penso que estes para as famílias devem apenas indicar se os seus familiares morreram de morte natural ou não, entregando outro com a causa de morte mais detalhada para o governo, para que este possa combater esta pandemia, respeitando sempre a confidencialidade dos doentes e suas famílias.