Quem compra está desesperado para ultrapassar as longas listas de espera dos hospitais. Quem vende fá-lo pelas mais variadas razões: para pagar dívidas, financiar uma casa ou um negócio, ou simplesmente por ganância.
O anúncio acima levou o repórter do ‘Sun’ até Umer Maqbool, um imigrante paquistanês residente
O caso denunciado pelo ‘Sun’ parece ser apenas uma gota num oceano cada vez maior. Uma simples busca na internet permite encontrar dezenas de pessoas dispostas a vender órgãos que consideram dispensáveis. A maior parte dos anúncios provém de países pobres como a Índia, o Paquistão, o Bangladesh ou as Filipinas, mas também há pessoas dos EUA, Reino Unido, Austrália e França.
Um responsável da Associação Britânica de Transplantes, John Forsythe, confirmou a tendência e condenou veementemente esta prática, que considerou “perigosa”. Segundo dados oficiais, só no Reino Unido há mais de sete mil pessoas em lista de espera para um transplante.
Um rim pode chegar a valer entre 70 e 140 mil euros no mercado negro deste tráfico ilícito.
Ricardo Ramos
In Correio da Manhã, Terca-feira, 9 Janeiro 2007
Comentário:
O tráfico de órgãos é uma forma deturpada de mercado. Ainda que não respeite legislações, fronteiras ou direitos humanos, o tráfico de órgãos obedece às regras básicas de todos os mercados. A oferta é estimulada mediante uma desmesurada procura e os preços da oferta podem ser facilmente interpretados à luz da lei da oferta e da procura. Sendo mercado negro, e portanto ilegal, é claramente reprovável do ponto de vista ético. Menos imediato é averiguar quais são os intervenientes no processo que agem de forma reprovável. Pode haver a precipitação de indiciar todos os intervenientes como criminosos, desde o dador de órgão até ao receptor.
Comecemos pelo dador. Tal como foi descrito no documento, são geralmente indivíduos pobres de países pobres que recorrem a estas alternativas. É importante não esquecer que nas culturas de países como a Índia ou o Paquistão o valor que se atribui à vida humana é muito diferente daquele a que assistimos nos países ocidentais. Quando a própria lei desse país não proíbe a venda de órgãos, é sinal que assistimos a uma realidade diferente da nossa. A venda de órgãos é, no entanto, proibida nos países desenvolvidos e é por isso que, do ponto de vista ético a decisão do sr. Magbool é reprovável. Do lado paquistanês temos ainda os médicos que colaboram na recolha e acomodamento dos órgãos. Uma atitude ética destes profissionais (do ponto de vista ocidental) seria negar a recolha do órgão, desta forma o ciclo seria quebrado. No entanto a legislação paquistanesa volta a ser decisiva. Não conheço esta legislação, mas suponho que dê aos cidadãos paquistaneses o direito a extraírem os seus órgãos (sem que essa extracção não represente risco de vida para eles) se assim o desejarem. Nesse caso, os médicos não poderiam recusar a recolha uma vez que o paciente tem esse direito, com o risco do indivíduo mover uma acção judicial contra eles. Serão, no entanto, médicos paquistaneses a transplantarem o órgão vendido e aqui levantam-se algumas questões de ética. É considerado ético fazer da saúde um negócio? Como poderá explicar um médico a um paciente paquistanês que ele nunca poderá pagar a sua própria sobrevivência, dependendo de uma casualidade para obter o transplante que precisa? Será que o estado paquistanês se apercebe que esta medida é extremamente impopular, tendo em conta as condições económicas dos seus cidadãos? Que no fundo está a tratar os seus médicos como mecânicos e a sua população como peças sobressalentes, para os modelos de luxo estrangeiros?
Os veículos de comunicação que dão a conhecer estas ofertas, muitas vezes sites de leilões on-line, podem ser assinalado como cúmplices no processo. No entanto, é difícil conseguir monitorizar todos os produtos/serviços que são disponibilizados diariamente. Será sempre considerado antiético publicitar a venda de um órgão ou uma arma, por exemplo, sobre qualquer canal, mas é cada vez mais complicado bloquear a passagem desta informação para o público. Isso levanta também outra questão de ordem ética: Será ético impedir a passagem de informação, seja ela de que forma for, só com a desculpa de que pode ser maléfica se mal utilizada? A Internet não é diferente da imprensa, e esta última defende-se com o chavão “Liberdade de expressão” sempre que algum grupo se revolta contra uma publicação!
Em última instância, o receptor do órgão também está a agir incorrectamente. O desprezo que mostra pelos outros, passando ao lado das listas de espera e das carências dos outros pacientes denotam alguma falta de civismo. Por outro lado, a concepção destes indivíduos de que todos os seus problemas podem ser resolvidos com um cheque chorudo mostra-se antiética e desprovida de valores, como o respeito pela vida humana.
De uma forma geral, todos falham de um ponto de vista ético. Uns mais que outros, é importante referir.
1 comentário:
Um dos negócios de crime organizado que mais tem crescido no mundo, apenas ultrapassado pelo tráfico de estupefacientes é do tráfico de órgãos humanos. Para as organizações criminosas trata-se de uma actividade rentável que não conhece fronteiras. O negócio, segundo estimativas oficiais das Nações Unidas, movimenta para cima de 13 mil milhões de dólares por ano. Segundo uma tabela alinhavada pela ONU, um doador pode receber 4 mil dólares por um rim que, revendido, passará a valer 200 mil dólares. Meio fígado será pago a 6 mil dólares e revendido a 150 mil, uma córnea a 3 mil e revendida a 45 mil. São valores impressionantes.
O transplante de órgãos e tecidos é considerado ilegal quando comerciantes profissionais, aproveitando-se das necessidades económicas da vítima, a pressionam ou obrigam a dar, por exemplo, um rim, oferecendo um preço atractivo pelo órgão, ou quando exercem chantagem sobre tais pessoas ou retiram partes de um cadáver sem que em vida a pessoa tenha decidido doar os seus órgãos.
A Internet é o “palco” escolhido, a montra onde a propaganda aos órgãos é feita, sendo assim esta informação de fácil acesso a todos. A propaganda online é uma boa estratégia dos comerciantes, já que, não há qualquer controlo da informação que lá é colocada. A não filtragem da informação faz com que, se corra o risco de obtermos informação que nos poderá conduzir a comportamentos anti-éticos ou até mesmo ilegais. Não me oponho a que existam sites que dão a conhecer este problema que é o tráfico de órgãos. Pelo contrário até considero muito positivo. Agora que existam sites a publicitar centros onde são feitos esses transplantes não me parece ético nem escrupuloso, estando apenas a contribuir para tornar esta actividade cada vez mais lucrativa, ajudando os países a tirarem proveito de um vácuo jurídico e permitindo que cada vez mais uma grande quantidade de indivíduos e de instituições encham os bolsos. Como o colega refere, acredito que a Internet será um pequeno cúmplice neste mundo isento de ética.
Numa rápida pesquisa na Internet encontra-se um centro internacional de assistência a transplantes na China que anuncia sem qualquer complexo a sua actividade: "Doadores de órgãos disponíveis imediatamente!”. Chega mesmo a aconselhar que a melhor temporada é entre Dezembro e Janeiro, sendo nesta altura maior o número de doadores. O centro, um organismo privado que não é ilegal em relação às leis do país, não deixa de ser a meu ver contudo, uma empresa farmacêutica cuja actividade comercial é no mínimo duvidosa, ao menos no plano moral. Neste caso em particular, os empreendedores bancam os intermediários entre doadores de órgãos chineses e receptores estrangeiros.
Como se sabe, no tráfico de órgãos, os clientes são cidadãos dos países ricos que não querem entrar nas listas de espera para substituir órgãos doentes ou danificados; os dadores, voluntários ou forçados, são gente pobre, deserdada da vida e sem qualquer horizonte de esperança.
Considero que tal como o colega refere é difícil num plano imediato identificar os intervenientes que agem de forma reprovável ou mesmo fazer uma escala em termos de quem age pior ou melhor.
Senão vejamos, os dadores são geralmente, como se disse anteriormente, pessoas cuja pobreza se assola sobre eles de uma forma esmagadora e que perante tal cenário de miséria vêem na venda dos seus órgãos a possibilidade de alterarem a sua trajectória de vida. Além do mais, nos seus países a extracção e venda de órgãos não é ilegal, pelo que perante a miséria em que vivem torna-se difícil discernir e vislumbrar a questão moral. Também um aspecto importante a ressalvar nesta questão é que o valor atribuído nestes países à vida humana nada tem a ver com o valor atribuído nos países ocidentais. Além do que, muitas vezes também não é explicado aos dadores os verdadeiros riscos a que estão sujeitos. Contudo, a questão que se coloca não é tanto o grau de lucidez dos dadores quando tomam a decisão de vender os seus órgãos, mas sim a tranquilidade do conforto dos que compram os órgãos.
Vejamos agora a posição dos receptores. Estes, normalmente são cidadãos de países ricos que se têm que ver confrontados com uma lista de espera enorme e que perante o desespero em que se encontram devido ao progressivo agravamento do seu estado clínico, utilizam o seu dinheiro para a compra do órgão que lhe devolverá a saúde. Do ponto de vista ético, esta atitude é reprovável não só por considerarem que o dinheiro pode comprar tudo, como também pelo facto de ignorarem a lista de espera, demonstrando desrespeito pelos outros que aguardam dolorosamente mas respeitando os trâmites legais.
Considero, no entanto, que mais do que reprovar a atitude dos dadores ou dos receptores, deve-se sim reprovar a atitude de quem faz negócio com as fragilidades e vulnerabilidades dos dois agentes: dadores e receptores. Os chamados empreendedores e intermediários revelam-se assim pouco escrupulosos relativamente às regras mais elementares de deontologia, cometendo uma grande violação dos direitos humanos e da dignidade humana. Que acto mais abominável o de fazer lucro em cima das fragilidades dos outros que se encontram mal de saúde ou que vivem numa extrema situação de pobreza. Estas redes internacionais que facilitam a comercialização de órgãos pressupõem as desigualdades locais como mecanismos de lucro.
Mais revoltante ainda é quando este cenário de tráfico de órgãos tem a cumplicidade de médicos e enfermeiros, os quais se revelam indignos desse nome, contribuindo para uma imagem negativa da sua classe. Estes colocam em causa os princípios éticos de respeito e dignidade humana, violando os respectivos códigos deontológicos das suas profissões.
É também de considerar as causas subjacentes a essa criminalidade, ou seja a grave carência de órgãos disponíveis para transplante, que se deve em grande parte à falta de informação do público. Vários estudos realizados mostram que a larga maioria dos cidadãos declara-se disposta a doar os órgãos após a morte, mas apenas uma pequena minoria expressa formalmente o consentimento. Assim, o tráfico ilegal só deixará de ser rentável para as organizações mafiosas quando puderem ser disponibilizados de forma legal órgãos e tecidos em quantidade suficiente.
João Miranda n.º 3941
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