quinta-feira, janeiro 11, 2007

Ciência - Reparação e criação de órgãos

2007-01-09 Correio da Manhã
Janete Frazão com Lusa

Ciência - Reparação e criação de órgãos
Nova fonte de células estaminais

Uma equipa de cientistas norte--americanos descobriu uma nova fonte de células estaminais no líquido amniótico – que rodeia os embriões em desenvolvimento no ventre materno – com capacidade para substituir células e tecidos lesionados por doenças como diabetes e Alzheimer.

As conclusões são de uma investigação que durou sete anos, publicada na última edição da revista ‘Nature Biotechnology’. As células estaminais foram utilizadas para criar tecido muscular e ósseo, vasos capilares, nervos e células hepáticas. “A nossa esperança é que estas células constituam um recurso valioso para reparar e criar órgãos”, disse Anthony Atala, investigador e director do Instituto de Medicina Regenerativa da Escola de Medicina da Universidade de Wake Forest, na Carolina do Norte (EUA). Há muito que se sabia que tanto a placenta como o líquido amniótico continham células progenitoras múltiplas do embrião em desenvolvimento. “Nós perguntámo-nos: existe alguma possibilidade de encontrar verdadeiras células estaminais dentro desta população celular? A resposta é sim”, afirmou o cientista responsável pela condução desta pesquisa. Ouvido pelo CM, o médico e professor universitário Daniel Serrão, membro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, diz que “este trabalho só vem confirmar o que tenho defendido de há uns anos para cá, que é o facto de haver alternativas às células retiradas aos embriões”. E acrescenta: “Além disso, esta investigação tem a vantagem de não levantar problemas éticos, dado não ser necessária a destruição do embrião para obter as células.” Os investigadores norte-americanos apontam ainda outras vantagens destas células em termos de aplicação médica: a sua disponibilidade imediata, a facilidade de recolha – através de amniocentese – e a sua capacidade de auto-regeneração: duplicam-se a cada 36 horas.

A Igreja Católica reagiu com satisfação à descoberta, por parte de uma equipa de investigadores norte-americanos, de células estaminais no líquido amniótico utilizadas para criar tecido muscular e ósseo, vasos capilares, nervos e células hepáticas.

O presidente do Conselho Pontifício para a Pastoral da Saúde, Cardeal Lozano Barragán, afirmou que esta descoberta, publicada na revista ‘Nature Biotechnology’, abre vias de pesquisa “eticamente aceitáveis”, ao contrário do que acontece com a investigação, que destrói embriões para obter células. O Cardeal refere ainda que a Igreja “não é obscurantista e está sempre pronta a acolher os verdadeiros progressos científicos”. Feytor Pinto, pároco do Campo Grande e consultor do Vaticano para as questões de Saúde, reforçou esta posição. “A Igreja apenas recusa que se destrua a vida humana num embrião para daí tirar dividendos para sucessos e tratamentos. Não podemos dispor ou destruir a vida humana”, disse. “Deus queira que esta descoberta se confirme e que possamos utilizar estas células para salvar gente”, acrescentou.

Comentário:
Apesar de esta notícia atenuar algumas questões éticas verifica-se que existe um Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida que não aprova todos os procedimentos científicos que tem como finalidade a investigação e avanços que possibilitem a melhoria da qualidade de vida. Não estou de acordo com o procedimento utilizado até agora de destruir embriões para retirar células para investigação. O conceito de vida tem inicio e fim desde a sua criação até à sua extinção sem que a sua finalidade seja um factor decisivo para a sua duração, estou por isso de acordo com a igreja neste sentido. Não podemos utilizar todos os recursos sem pensar nas questões éticas. Estes investigadores são formados em ciências da vida e como tal tem a obrigação de salvar vidas e não de destruir as mesmas com a desculpa de que um feto ainda não é um ser humano e pode vir a salvar muitas outras vidas humanas, este principio contrapõe a deontologia das ciências que juraram cumprir. Os benefícios a longo prazo não podem ultrapassar as condutas e princípios éticos que estes profissionais juraram cumprir. Desta forma esta noticia só vem facilitar o seu procedimento se adoptarem esta nova técnica.

5 comentários:

G.A. disse...

A discussão à volta das células estaminais está na ordem do dia. A recente descoberta acerca da possibilidade de recolher estas células a partir do líquido amniótico ou mesmo do cordão umbilical parece gerar consenso quanto à sua legitimidade, mesmo junto das entidades mais conservadoras, como é o caso do Vaticano.
Aparentemente este método é aceitável do ponto de vista ético uma vez que não representa sacrifício de embriões.
Relativamente à recolha de células estaminais estou de acordo com o colega e considero que representam uma direcção correcta para a medicina futura, que se quer cada vez mais eficiente quanto às curas, mas também, cada vez mais escrupulosa quanto aos métodos.
Creio que a verdadeira problemática aliada a este assunto não reside na recolha mas sim, na conservação e aplicação destas células.
Tem-se assistido ao aparecimento de clínicas de recolha e conservação de células estaminais (Crioestaminal e Bebevida, por exemplo) que oferecem os seus serviços privados aos progenitores que assim o desejem, prometendo mais hipóteses de cura para vários tipos de doenças.
Visionários para alguns e simplesmente charlatães para muitos, os negócios destes laboratórios crescem numa zona cinzenta em que é difícil avaliar a utilidade real destes serviços.
Estas empresas alegam proporcionar “uma oportunidade única que pode proteger o seu filho” e, por valores que rondam os 1.000€, asseguram a conservação das células estaminais em criopreservação por períodos até 25 anos. A razão para o congelamento das células ter um prazo tão alargado prende-se com a necessidade da investigação médica ter que avançar para ser possível poder aplicar estas células nos casos mais frequentes de doenças, como o cancro, por exemplo.
É aí que reside o problema ético desta actividade. Alarmados para a necessidade de proteger o seu descendente, os recém pais vêm neste método uma oportunidade única e irrepetível de lhe oferecerem maiores oportunidades de sobrevivência.
Quando colocados perante a oportunidade, os progenitores atribuem maior valor a essa probabilidade remota de virem a marcar a diferença no futuro do que ao preço que têm efectivamente de pagar. Esta é uma reacção natural de protecção de qualquer ser humano equilibrado e deve ser acalentada. No entanto, sugerir soluções que ainda não existem, mesmo que hipoteticamente, para comercializar um serviço, revela falta de ética. Mesmo tendo em conta que a curva de inovação no que se refere à medicina tem uma tendência para subir cada vez mais rapidamente (analogamente à curva da inovação tecnológica), não é correcto publicitar junto de indivíduos especialmente receptivos a soluções de protecção para os seus congéneres serviços que não ofereçam garantias de sucesso.

Nada garante que no médio prazo, o tratamento mediante utilização de células estaminais seja deixado de parte, em detrimento de uma técnica melhor, mais fiável ou simplesmente, menos dispendiosa! Caso isso se verifique, como se sentirão os indivíduos que recorreram a estas clínicas? Falo por mim, eu sentir-me-ia ludibriado.
Existem outros cenários possíveis. Pode, por exemplo, provar-se no futuro que o processo utilizado para conservar as células não está de acordo com a aplicação necessária da altura e que as células armazenadas não podem ser utilizadas como se esperava. Nesse caso o laboratório falha por ignorar os processos futuros, mas é um risco que eles sabem que estão a correr no presente.
Um último cenário pertinente. Neste momento a recolha de células é feita tendo em conta o actual contexto social, médico e patológico.
É importante não esquecer que uma doença epidémica grave como a SIDA foi descoberta há menos de 27 anos e ainda permanece sem resposta objectiva.
Será que estamos a prever a cura para as doenças realmente problemáticas das próximas décadas? Deveríamos dirigir o investimento para a investigação de novas e mais mortíferas epidemias que possam surgir e consequentes tratamentos?

Questões como estas não parecem ser entrave para estas clínicas avançarem com promessas de cura “num futuro melhor” naquilo que eu considero ser uma atitude pouco científica e digna de ganhar respeito pela comunidade médica.
Este mercantilismo que paira sobre a investigação médica ainda em decurso é um insulto para quem dedica esforços na pesquisa científica, procurando um mundo melhor. É absolutamente antiético e no médio prazo poderá ser considerado crime se for comprovado que este método não oferece solução para as doenças referidas e que as células estaminais são na realidade, inúteis.

Sou completamente a favor da antecipação e creio sinceramente que este caminho possa oferecer resultados muito positivos para a comunidade internacional ao nível de tratamentos e prevenção de doenças. Discordo, no entanto, do oportunismo e da falta de escrúpulos relativamente aos sentimentos humanos que denota a prática evidenciada por estas clínicas.

Lisete Coelho, nº4314 disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Lisete Coelho, nº4314 disse...

Descobrir que se podem obter células estaminais a partir do líquido amniótico ou do cordão umbilical, sem que para isso se atente à vida humana, quer seja um embrião dom poucas semanas ou um feto é algo de extraordinário, numa altura em que o tema do aborto é uma constante sujeita a diversos comentários e opiniões. Se há neste aspecto, por um lado, pessoas que são pelo Sim, há também as que são pelo Não, e a ordem dos Médicos e o respectivo código deontológico fazem parte destes últimos ao preservarem a vida humana acima de tudo e considerarem o aborto uma falta deontológica grave. Neste sentido, parece ter-se feito uma descoberta que, em termos éticos nada se lhe poderá apontar, mas vejamos.
A investigação científica e a medicina estão cada vez mais desenvolvidas, os meios à disposição dos profissionais da área da saúde são cada vez melhores e ultrapassam barreiras que antes eram impossíveis e impensáveis de derrubar.
Tudo isto para defender o mais importante dos princípios do Código Deontológico Médico: a preservação da vida humana.
Se nesta descoberta não se coloca em questão a destruição de embriões e, como tal, não ataca a vida humana desde o seu início nem em qualquer altura da sua existência e, pelo contrário, vem ajudar a preservá-la e a melhorar continuamente as condições de doentes que sofram de problemas que justifiquem que esta descoberta seja mais um importante passo, não haverá com certeza qualquer dedo a apontar sobre questões de ordem Ética ou Deontológica.
Se uma nova vida humana pode vir ajudar a melhorar as condições de uma outra vida, então estamos a criar vida com vida. O que melhor poderia ir ao encontro dos princípios do Código Deontológico Médico? Só se for o facto de poder vir a ser possível a criação de órgãos. Se tivermos isto em conta, apesar de o Código Deontológico permitir que se retirem órgãos a pessoas falecidas, todos sabemos que ainda há alguns constrangimentos nesse sentido, como é o caso da autorização. Há pessoas que, por qualquer motivo, não gostariam que fosse retirado um órgão a um familiar que tivesse falecido mas não pretendo referir muito sobre isto visto não ter grandes conhecimentos sobre a matéria. Não faço ideia se o facto de um médico retirar determinado órgão a um falecido terá necessariamente de ter autorização dos familiares ou se o podem fazer sem qualquer tipo de autorização. De qualquer forma, eu não me sentiria bem sabendo que um dos órgãos de um familiar meu foi retirado para ser transplantado em alguém que não conheço, mas prefiro não adiantar muito mais por poder estar a falar de assuntos para os quais não tenho, nem tenho de ter conhecimentos. De qualquer forma, se o objectivo é a preservação da vida humana penso que tudo deve ser feito, desde que não se ataque, para tal, outra vida humana em nenhum sentido, seja ele físico ou psicológico.
Outra questão que aqui se coloca é a destruição do embrião para obter as células estaminais. Ora, nem tal poderia ser permitido eticamente uma vez que outra referência ao Código Deontológico é que a Prática de aborto constitui falta deontológica grave. Assim, tendo em conta que um aborto, na minha modesta opinião, é matar ou destruir um feto, uma vida no seu início, o acto anteriormente referido não poderia ter outro nome senão “aborto”, indo completamente contra os princípios éticos e o presente código. De qualquer modo, não faria qualquer sentido para um profissional de saúde destruir uma vida para salvar outra pois tal acto violaria o código deontológico a que se comprometeram quando se inscreveram na Ordem.
Desta forma, dado que a descoberta não põe em causa qualquer tipo de questões contra deontológicas ocorre-me apenas referir que a preservação de uma vida com o nascimento de outra é não só um acto médico louvável como, em termos morais, algo bastante aceitável e lícito, que não deixa margem a qualquer tipo de críticas.

Daniel Janeiro disse...

Nós perguntámo-nos: existe alguma possibilidade de encontrar verdadeiras células estaminais dentro desta população celular? A resposta é sim...ou seja, boas, mesmo muito boas noticias. Esta é uma das raras vezes em que se aborda uma noticia de cariz ético/deontológico, por aspectos positivos, alias, bastante positivos. São noticias bastante boas no que toca a ética, visto tratar-se de uma alternativa viavel ao uso de embrioes para segregar celulas estaminais desses mesmos, algo que era considerado pela generalidade, incluindo igreja, eticamente muito incorrecto, mas inevitavelmente necessário. A Igreja Católica reagiu com satisfação à descoberta, o que é um enorme apontador de que se trata de algo eticamente correcto. Mas graças a esta evolução, o que antes era invevitavelmente necessário, agora passou a ter uma alternativa eticamente correcta, e pelos visto menos dispendiosa. A isto chama-se a verdadeira evolução, que esperemos que venha a acontecer noutros campos da medicina, que tanto carece de evolução, e acima de tudo, de etica. Quando nos deparamos com casos assim como foi o de uma noticia que eu ja comentei anteriormente, em que um medico foi preso porque segundo a polícia, ele usava medicamentos fornecidos pela rede pública de saúde em tratamentos privados, e que está a ser investigado devido à morte de uma advogada e professora, que morreu depois de ter usado este serviço de saude privado, chegamos a ficar assustados sem saber até que ponto pode ir a falta de profissionalismo destas pessoas, e acima de tudo a falta de ética, ou a ausencia desta mesma.
Se ha campo em que deve haver evoluçao, acima de todos os outros, é o campo da medicina, e não falo apenas de uma simples evolução, mas sim de uma evolução em consonancia com a etica e a deontologia, como é o caso descrito nesta noticia. Sim, porque muitas vezes assistimos a evolução, mas com pouca ética, como é o caso da clonagem, que certamente traria, e se calhar ha de trazer resposta e soluçao a muitos problemas anteriormente obscuros à medicina. Mas essas soluções proveem de uma evolução eticamente muito incorrecta...
Mais uma vez volto a dizer que a realidade do problema reside na mentalidade do ser humano hoje em dia, o que nos leva a pensar que aqui, como em muitos outros campos, tem de haver uma consciencialização global, para que posteiormente apareçam soluções viaveis e ao mesmo tempo éticamente correctas, assim como esta descrita na noticia, e não soluções eticamente incorrectas, ainda que viaveis, assim como o caso da recorrencia á clonagem para produzir novos orgãos...

tiago disse...

Nos dias que decorrem, onde somos constantemente bombardeados com noticias e referendos acerca da interrupção voluntária da gravidez, saber-se que é possível obter células estaminais a partir do líquido amniótico ou do cordão umbilical, para que com isso se consiga recriar órgãos ou outro tipo de tecido humano é absolutamente fantástico.
Mas o que torna ainda mais fascinante toda esta noticia é o facto de todo este processo ser feito sem se violar a vida humana e o embrião não sofrer qualquer tipo de danos.
Como tal, e uma vez que não representa nenhum dano para com o embrião, todo este processo é, aparentemente, aceitável do ponto de vista ético.
Tendo em conta que o princípio mais importante do Código Deontológico dos Médicos é a preservação da vida humana, e segundo esta investigação, é possível reparar-se danos que até então seriam irreversíveis, não será esta evolução a resposta para todas as nossas perguntas?
Após tantas horas de investigação arruinadas devido a questões menos éticas no que diz respeito à vida humana, como por exemplo a clonagem humana, este processo deve ser considerado uma mais valia para a medicina futura.
Mas a questão que devemos todos considerar é: será este método infalível? Será que se recorrermos a este processo quando tivermos uma doença grave como o cancro que essa doença fica extinta e nós curados?
Não estou de acordo com os métodos até então utilizados em que se destruía um embrião para se conseguir curar uma outra vida. Mas assim não estaríamos a destruir uma vida em prol de outra? Constará esse princípio no Código Deontológico dos Médicos? Isso com certeza não é eticamente correcto.
Penso e quero acreditar que este processo será muito valioso no que diz respeito á preservação da vida humana, pois contrariamente ao que acontecia, já não é necessário tirar uma vida para se poder curar outra. Tal processo não pode ser também eticamente incorrecto pois até o órgão máximo da Igreja Católica (Vaticano) já expressou o seu contentamento com tal descoberta e apoia a sua evolução visto que a máxima desta instituição é a valorização e respeito pela vida humana como também pelos códigos éticos.
O único ponto não ético que podemos e devemos ter em atenção, será o facto de algumas empresas do ramo quererem ou tentarem aproveitar-se financeiramente da situação. Por isso penso que existe uma questão muito importante: qual o preço de uma vida humana? Quanto é que uma pessoa está disposta a pagar por um futuro garantido?
Daí haver necessidade de se cumprir o código de ética para que as empresas não possam tirar proveito de toda esta situação. Como todos sabemos a vida de uma pessoa não tem preço, e como tal, muitas pessoas iriam pagar tudo o que lhes pedissem.
Por isso, a questão máxima que deixo aqui é a seguinte: será que este processo deve avançar e ser adoptado para que a medicina futura possa vir a beneficiar com esta melhoria, como também todos nós?
Eu concordo e dou todo o meu apoio para que este processo avance e que um dia mais tarde se consiga evitar doenças que hoje em dia nos são muito preocupantes, mas nunca se podemos esquecer nem “passar por cima” dos Códigos Deontológicos e agir eticamente incorrecto, pois sem isso, estaríamos a avançar na que respeita a medicina, mas estaríamos a recuar como seres humanos.

Tiago Palma Nº 4356