Notícia publicada no Diário de Notícias em 29 de Junho de 2005.
Apesar de a lei portuguesa definir, desde 1984, as situações em que a interrupção da gravidez não é crime - perigo para a vida da mulher (a todo o tempo da gestação), perigo grave para a sua saúde física ou psíquica (até às 12 semanas), gravidez resultante de violação (até às 16 semanas, prazo fixado em 1997) e malformação fetal (até 24 semanas, também desde 1997) -, o Código Deontológico dos médicos continua a definir, no artigo 47.º, alínea dois, o aborto como uma grave falta deontológica.Este artigo, cuja revisão foi já várias vezes proposta e anunciada, acabará, como reconhece o bastonário Pedro Nunes, por não ter utilidade prática, já que "se quiséssemos castigar um médico por praticar um aborto ele poderia recorrer aos tribunais e impugnar a decisão, pois o nosso código não pode sobrepor-se a uma lei da República". A contradição entre as duas legislações, a pública e a corporativa, não incomoda porém o representante dos médicos, que garante que não mexerá uma vírgula no artigo 47.º mesmo que, em referendo, o povo português decida permitir às mulheres abortar por sua vontade até às dez semanas, retirando o monopólio da decisão aos médicos, até agora detentores do poder de vida ou de morte nesta matéria. "Está em contradição e continuará. O Código Deontológico é uma legislação que tem a ver com uma hierarquia de valores em que sobreleva o da vida humana." Frisando que esta posição não tem nada a ver com questões de fé católica, Pedro Nunes admite que no que respeita ao aborto falta definir "em que momento há um diagnóstico de vida humana". Comprometendo-se a lançar esse debate na classe médica, o bastonário diz que, se é admissível que "um dia a OM possa aprovar um código deontológico diferente", não acredita que "haja uma maioria de médicos que sejam favoráveis ao aborto nas estritas circunstâncias da lei". "Tenho de crer que a maioria dos médicos está de acordo com os valores da ética médica", conclui este oftalmologista, para quem é "muito complexo que se determine, nos casos de malformação, o grau de incapacidade que faz a diferença entre a vida e a morte".
Comentário:
O ponto de partida deste comentário, mesmo antes de procurar a notícia que mais me chamasse à atenção, fez-me ir à procura das definições de Ética e Deontologia.
De forma a poder comentar este artigo, tendo sempre em conta a opinião que já tenho formada em relação ao assunto, não poderia, de forma alguma, deixar de passar uma leitura nos artigos mais importantes que me foram surgindo ao longo da pesquisa, no Código Deontológico da Ordem dos Médicos. A leitura deste artigo levanta-me uma primeira questão, entre muitas que se lhe seguem: Como é que a Deontologia - entendida como “ramo da ética cujo objeto de estudo são os fundamentos do dever e as normas morais”[1] – pode estar contra a lei? Não é possível que este ramo da ética – “que estuda a natureza do que é considerado adequado e moralmente correto”[2] – esteja contra a lei porque não dirige os médicos, nem a agir contra, nem a favor da mesma, simplesmente não tem a capacidade de punir ninguém que não o cumpra, servindo apenas de guia moral, neste caso aos profissionais de saúde. Este código não dirige o médico a agir contra a lei, simplesmente pretende que actuem de acordo com o principal princípio que defende que é a preservação da vida humana.
Não posso deixar de concordar com o bastonário Pedro Nunes quando afirma não ser possível castigar um médico que pratique um aborto pois, de acordo com a lei portuguesa mais propriamente o artº 142º da Constituição da República Portuguesa, existem casos em que não esse acto não é considerado ilícito. Desta forma, só será condenável o médico que, praticando aborto, não o faça em consequência do previsto nesse artigo. Caso contrário se a Ordem dos Médicos quiser punir algum médico nestes termos pode ver as normas do seu Código Deontológico, nomeadamente o disposto no seu artigo nº 47º, serem superadas pelas normas legais Portuguesas, não sofrendo, quer o médico, quer a mulher em causa, qualquer punição.
A questão da preservação da vida humana é algo que levanta outra questão, referida também no artigo e que não posso deixar de comentar. Quando é que começa a vida humana?? A meu ver, quando um coração começa a bater dentro de um corpo já se tem gerado uma vida humana, e isso acontece ao fim de 6 semanas de gravidez. A partir das 6 semanas, qualquer médico que pratique um aborto está a violar o nº1 do art 47º do Código Deontológico, o que não significa que possa ou deva por isso ser punido quer pela Lei Portuguesa, quer pela Ordem dos Médicos pois esse acto pode estar justificado com qualquer situação prevista no mesmo artigo ou no artigo 48º do mesmo código, bem como no art 142º da Constituição.
Dando a minha opinião, agora que já conheço alguns dos Requisitos Legais e Deontológicos para que a prática de um aborto seja ou não passível de ser condenada ou criticada, penso que existem de facto casos em que não deverá ser criticado nem penalizado. Nenhum filho quer saber que foi fruto de uma violação, nenhuma mão quer ver o seu filho sofrer uma vida inteira com uma deficiência ou doença grave, sabendo que pode evitar sofrimento tanto para o seu filho como para si própria, nenhum médico deixará morrer uma mãe devido a complicações com a gravidez quando tem a possibilidade de a salvar mesmo que isso implique a prática de aborto. Não creio que o mundo ou qualquer código deontológico tenha o direito de criticar um aborto em qualquer destas situações.
De penalizar e criticar é sim o médico que pratique aborto sem as condições clínicas necessárias criando complicações de saúde à mulher que a levem mais tarde a um hospital, ocupando o lugar de um doente que está em fila de espera para uma operação e que não a pode fazer por esta mulher ter maior urgência. De criticar é o médico que na sua clínica privada se dedique à prática de aborto ilegal em situações que não justifiquem necessariamente o aborto.
Assim se pode confirmar que um código de Ética Profissional guia a consciência do profissional. Através desse código um médico pode saber o que é certo e o que é errado, no entanto cabe-lhe a ele decidir o que fazer efectivamente, sabendo que corre o risco de vir a ser criticado até mesmo pela sua própria consciência. Assim, um Código Deontológico não é uma Lei que se aplique é um conjunto de regras morais que criam no profissional o sentido de responsabilidade para com os outros e para consigo próprio, que o fazem ponderar as suas atitudes e ajudam a resolver uma situação quando se depara com dilemas éticos pois através desse código ele pode saber o que é mais correcto, mais ético.
[1] Definição de Deontologia, online, 2006, disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Deontologia
[2] Definição de Ética, online, 2007, disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%89tica
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2 comentários:
O tema do aborto tem suscitado ao longo dos últimos tempos muita atenção por parte da sociedade portuguesa.
Escolhi comentar esta notícia pois penso que caso no dia 11 de Fevereiro de 2007, no referendo do aborto o sim vença, vai se levantar um grande problema em relação ao código deontológico dos médicos.
A actual lei portuguesa estabelece que a prática de aborto em Portugal não é legal. No número 2 do artigo 47 do código deontológico dos médicos, encontra-se estipulado que constitui uma falta deontológica grave quer a prática do aborto, quer a pratica de eutanásia. Caso o sim ganhe, o código deontológico não se irá enquadrar com a lei que irá regular o aborto, fazendo com que até as 10 semanas, a mulher possa abortar sem que lhe possa ser aplicada alguma sanção.
Outro dos problemas que se coloca caso o sim venha a ganhar, é o facto de o código deontológico dos médicos, ir contra aquilo que a lei irá estabelecer.
Em relação ao facto de alterar o código deontológico poder vir a ser alterado, existem posições contraditórias em relação a este tema. O bastonário da ordem dos médicos, Pedro Nunes, defende que mesmo que o sim ganhe o código não deverá ser alterado. No entanto, existem outros médicos que pensam que o código deverá ser alterado. Na minha opinião o código deverá ser alterado, pois penso que não faz sentido que este não esteja elaborado de acordo com a lei portuguesa. Caso este não venha a ser alterado, como se vai proceder quando um médico praticar um aborto? Pelo seu código deontológico, este será castigado, no entanto se recorrer aos tribunais civis este não será castigado, pois encontrará do seu lado a lei da Republica Portuguesa.
Esta questão levanta sempre muita controvérsia, pois mesmo dentro da Ordem dos Médicos, existem alguns clínicos que são a favor da despenalização. Existem muitos médicos a favor da alteração e que contestam, portanto, os argumentos apresentados pelo bastonário. Por exemplo, Rosalvo Almeida, neurologista, que já há alguns anos tinha proposto um debate nacional sobre este tema, embora sem sucesso, afirmou que “se a lei permitir algo que a moral me impede, a única saída é a objecção de consciência. Se a minha consciência ética não reprova os meus actos e os meus actos são legais não admito que outros – pretensos defensores da ética oficial – me apontem o dedo acusatório e me condenem publicamente, mesmo que só com uma reprimenda”.
Outra das questões que se coloca sempre que se aborda o tema da despenalização da interrupção voluntária da gravidez é o aborto ilegal. Os defensores do “sim” defende que se for despenalizada a mulher que pratique um aborto, a taxa de aborto ilegal irá diminuir. Os defensores do “não” dizem que se irá recorrer ao aborto como um método contraceptivo. Eu penso que nenhuma mulher deverá fazer um aborto de ânimo leve, sendo que ninguém deverá apontar o dedo, a quem o faça sendo que não será muito ético acusar alguém que já praticou um aborto.
O aborto ilegal é um verdadeiro negócio sendo que as mulheres se sujeitam a fazer abortos nesta situação correm o risco de vida, pois estes são feitos sem quaisquer condições. Eu penso que será de condenar as pessoas e os profissionais de saúde que pratiquem o aborto ilegal, sem condições colocando as mulheres que recorrem a este em perigo, não aqueles que o fazem de acordo com a lei Portuguesa.
Gentil Martins, ex-Bastonário da Ordem dos Médicos defende que o código deontológico dos médicos deverá ser alterado, mas apenas naquilo que diz respeito deve ser actualizado, sim, mas em tudo o que é ciência, não devendo ser alterados os seus princípios fundamentais. Apesar de o Código Deontológico "não ter força de lei", o professor de Bioética da Universidade Católica, Walter Osswald, defende que a sua revisão faz hoje sentido. "Desde que se conserve a objecção de consciência, não encontro razões para que o código se sobreponha à lei" no que ao aborto diz respeito. Walter Osswald, defende também que o código não pode opor-se à lei do país, ignorá-la, ainda que esta possa ser considerada imoral ou iníqua.
Na minha opinião eu penso que faz todo o sentido que o código venha a ser alterado caso o sim vença, pois o código deontológico dos médicos deverá ir de encontro a lei Portuguesa. Se este não for alterado penso que se irá constituir um grande fosso entre o Código Deontológico e a lei penal, podendo se levantar inúmeras situações, em que os médicos por praticarem abortos são punidos pelo seu código deontológico, sendo que se recorrerem para os tribunais civis não serão castigados, o que poderá fazer com que os médicos deixem de respeitar o código em outras situações que não o aborto.
O tema do aborto é um processo bastante complicado, dependendo muita da consciência de cada um, pelo que será importante que no dia 11 as pessoas exprimam as suas opiniões no referendo.
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