sábado, janeiro 13, 2007

Ordem e desordem jornalística

Há dias, num colóquio organizado pela revista Cais, perguntaram- -me o que é que pensava sobre a criação de uma Ordem dos Jornalistas. A questão era oportuna mas também incómoda - por vários motivos. Primeiro, porque tenho uma aversão epidérmica às organizações de tipo corporativo (que habitualmente tendem a defender os seus associados mesmo quando estes têm comportamentos eticamente indefensáveis); segundo, porque certas tentativas passadas de formação de uma Ordem dos Jornalistas foram inspiradas pelo mero desejo de protagonismo mitómano dos seus promotores, o que lhes retirava qualquer credibilidade; terceiro, porque tenho fundadas dúvidas de que a actual maioria dos jornalistas portugueses, nestes tempos de tabloidização galopante, estejam efectivamente interessados em bater-se por uma autêntica ética profissional. Em todo o caso, acabei por responder que sim, apesar dos engulhos que me provocam a palavra Ordem e as suas conotações corporativas, preferindo talvez um termo menos carregado, como Associação. É que nunca, numa já longa experiência de jornalista, senti tanto a falta de uma organização que tivesse o objectivo específico de enquadrar, no plano ético e deontológico, o exercício da profissão. Nunca como agora me pareceu que a condição do jornalista estivesse tão permeável à degradação dos padrões éticos e profissionais - e, por isso mesmo, tão vulnerável à pressão intrusiva dos poderes (político, judicial, económico) que visam condicionar, tutelar e submeter a actividade jornalística a uma lógica que lhe é estranha, destruindo a sua autonomia, instrumentalizando a sua função mediadora, promovendo a promiscuidade com outros géneros e convertendo o jornalista num servil agente propagandístico de interesses alheios ao seu estatuto na sociedade. Sou do tempo porventura romântico e quase anacrónico em que o jornalismo se definia como contrapoder, não porque se assumisse como actividade militante contra os poderes estabelecidos, mas porque se colocava numa lógica exterior ao funcionamento desses poderes e tinha em relação a eles um papel de observação e distância crítica, de vigilância democrática e cívica, uma exigência ética no relato rigoroso dos factos e na sua interpretação isenta e imparcial. Nada disto era contraditório - como agora se pretende fazer crer - com a imaginação, a criatividade ou o direito à subjectividade do olhar jornalístico, desde que se perseguisse a paixão da verdade e se respeitassem as regras técnicas de aproximação à objectividade informativa.A forma irresponsável e aventureira como se procedeu, num Governo chefiado por Cavaco Silva, ao licenciamento de dois canais televisivos privados (a SIC e a TVI, privilégio então concedido à Igreja Católica - como longe vão já esses tempos!) provocou a desregulação selvagem da paisagem audiovisual portuguesa. Num país pequeno, com baixíssimos níveis de literacia e de mercado muito escasso, quer em audiências quer em receitas publicitárias, a concorrência feroz entre três canais televisivos generalistas (sem contar a RTP2) não só redundou numa degradação acelerada das respectivas programações e numa espiral incontrolável de vulgaridade, como não trouxe uma oferta de conteúdos verdadeiramente plural e alternativa ao antigo monopólio da televisão pública. Além disso, o mimetismo do "salve-se quem puder" entre as televisões foi contaminando a imprensa (não apenas a chamada "popular", mas também a dita de "referência"), empurrando-a para uma sintonia, até por motivos de sobrevivência comercial, com o nivelamento por baixo do "modelo televisivo". As excepções a esta tendência mais ou menos generalizada apenas confirmam a regra e não diluem os efeitos trágicos da tabloidização informativa, com todas as suas tremendas sequelas (incluindo a precariedade profissional do estatuto jornalístico). Finalmente, a crescente vulnerabilidade do poder económico ao poder político foi-se fazendo sentir, com um despudor sem precedentes, nos critérios editoriais e até nos negócios das empresas de media. Não se pode voltar atrás e reinventar a história. Mas também não é tolerável assistir-se impavidamente à agonia de uma profissão essencial à vitalidade democrática e cívica de um país, aceitar a promiscuidade das funções sindicais com as funções deontológicas, admitir a existência de um organismo anedótico chamado "Comissão da Carteira", ou ainda condescender com todos os outros humilhantes sinais de menoridade e desordem que condenam o jornalismo à irrelevância, ao desprezo, à servidão.
Vicente Jorge Silva
Jornalista
Comentário:
É um facto que a imprensa jornalística, venceu grandes barreiras que existiam com a censura que encobria a realidade. Mas nos dias de hoje outro problema surgiu aos jornalistas em geral. A questão ética. Episódios frequentes envolvendo jornalistas sugerem uma reflexão sobre as relações entre ética e deontologia profissional. A luta pelas audiências e pelas tiragens levou a uma ultrapassagem em muitas situações grave de ética jornalística.
Creio que a imprensa de hoje, mais do que em qualquer época, obtém noticias por vezes com carência de confirmação. Muitas vezes obtidas em “off” e que podem denegrir a imagem de outras pessoas sem que com isso se procure verificar a veracidade dessas informações. Assistimos nos dias de hoje a um jornalismo muito baseado na denúncia que suponho só tem uma explicação. A guerra pelas audiências ou pela capa de jornal, mas muitas vezes essas notícias carecem de falta de investigação e análise sobre a sua veracidade. Suponho que um jornalismo de qualidade não deva ser feito de informação sem confirmação ou simples denúncias, mas sim no apuramento real dos factos, não podemos cair no princípio de que os fins justificam os meios. Acho que as informações isentas são éticas, o jornalismo deve investigar, procurar informações verdadeiras para que também possa existir um controlo ético da notícia.
Tenho a ideia de que o jornalismo rejeita a autocrítica, não comenta falhas éticas de erros de informação que levam à perda da qualidade da notícia. O jornalismo deve ter em mente que a informação é um direito fundamental da sociedade, por isso não deve haver omissões. Mas suponho que isso por vezes esbarra nos seus próprios interesses e nos interesses da sua empresa e daí surgem grande parte dos problemas éticos vividos pelos jornalistas. Ou seja entramos no dilema de ou agradamos ao patrão ou publicamos a noticia. Penso que o jornalista antes de ser jornalista é um cidadão, e a sua ética não deve prevalecer sobre os seus princípios como cidadão. Simplesmente porque o jornalista não deve aceitar situações que não aceitaria como cidadão.

1 comentário:

marta parreira disse...

O jornalismo de outrora e o jornalismo dos nossos dias de facto travou uma grande batalha mas conseguiu vencer entretanto, trazendo até nós noticias dos mais variadíssimos temas, sem a censura de outrora que encobria por vezes a realidade.
O jornalismos dos nossos dias depara-se agora com outra grande batalha, a questão ética.
O Jornalismo ao longo dos anos, por vezes não deixa de ser uma guerra de audiências de canais, na minha opinião tem perdido qualidade por isso mesmo.
O jornalista devia de ter como objectivo principal, o de informar, e informar como tarefa, é uma das mais exigentes: requer atenção, perspicácia, vivacidade de espírito e inteligência para a recolha da informação; e ainda um perfeito domínio da língua em ordem a transmitir, de forma adequada, essa mesma informação. Não é raro encontrar estas qualidades reunidas num candidato a jornalista, muito mais raro é encontrar a outra grande qualidade do jornalista: humildade suficiente para se apagar face ao acontecimento que se relata. O papel que um jornalista desempenha num acontecimento, as emoções ou dificuldades por que passou, não fazem parte da notícia, apenas faz parte o conteúdo e que ela esteja a passar na TV ás horas prevista.
A consequência do monopólio dos meios de comunicação, a pressa inerente ao jornalismo e a desordem diária pela notícia exclusiva ou da guerra pela audiência, é que os jornalistas e seus patrões muitas vezes se afastam da conduta ética e oferecem ao público uma informação de má qualidade.
Sem dúvida nenhuma, factos relevantes são notícias que o povo quer ver, mas nem sempre o que as emissoras de TV, rádios, jornais e revistas divulgam, são necessariamente verdades jornalisticamente éticas e incontestáveis. Mas notícia como mercadoria pode e deve ser tratada dentro dos princípios da conduta ética profissional, tendo como objectivo, oferecer boa qualidade de informação e satisfazer às necessidades de consumo dos leitores com um produto fidedigno. E este aprendizado sobre o que é ético e o que não é começa nas escolas de jornalismo.
Com base na Ética do Jornalismo é possível constatar que o Código de Ética indica a conduta profissional do jornalista e dos veículos de comunicação. No entanto, a cada dia que passa tenho a nítida sensação que esta cadeira parece ter sido abolida na prática profissional de alguns jornalistas e responsáveis por meios de comunicação actualmente integrados ao mercado de trabalho. Não é ver-se ao abrir um jornal ou ver na TV notícias tendenciosas, pejorativas, que visam beneficiar uma das partes ou mesmo mascarar a verdade dos factos.
Se formos ver no Código Deontológico dos Jornalista no art. 6º do Código de Ética, a conduta profissional do jornalista e o exercício da profissão do jornalista é uma actividade de natureza social e com finalidade pública, subordinada, ao Código de Ética. Torna-se importante referir que o código de que falamos é constantemente desrespeitado.
Podemos verificar que o compromisso fundamental do jornalista com a verdade dos factos e o seu trabalho parecem nem sempre estarem pautados diariamente em todos os meios de comunicação, pela precisão do apuramento dos acontecimentos e da sua correcta informação.
Cada dia que passa reparamos que cada vez mais a guerra das audiências é que rege tudo o resto, em vez de o principal objectivo ser o de informar as pessoas, cada vez mais nos apercebemos que os jornalistas são capazes de tudo para obter uma notícia, e não pensam nas consequências que por vezes essa mesma notícia possa vir a ter. Deparamo-nos também que para um jornalista qualquer das coisas da vida real serve para ser noticiado, mas nem sempre tem interesse.
As empresas jornalísticas estão preocupadas com o que se vende, ou seja, com as noticias sensacionalistas que se baseiam, na denuncia, pela capa de um jornal ou revista, muitas pessoas procuram nessas noticias um “lugar ao sol” e por vezes esse mesmo “lugar” pode sair-lhe bem caro.
A minha opinião é que deveria de existir um controlo ético de notícias antes de estas saírem para a “rua”, ou seja, que a qualidade de uma notícia não fosse sensacionalista mas sim basear-se numa pesquisa séria dos factos e na sua veracidade.
O jornalismo deverá ter a noção de que o mais importante é manter a sociedade informada e abstrair-se daquilo que não é real, que é sensacionalista, é o dever dos jornalista e não devem omitir informações importantes dos indivíduos.
Por fim, acho a ética assenta num princípio fundamental que se prende fundamentalmente no facto de que antes de sermos estudantes ou independentemente da nossa profissão somo cidadãos comuns e a nossa ética não deve prevalecer sobre os nossos princípios. No caso do Jornalismo estes têm de aprender a não se prender as seus próprios princípios.